(O Cromo maior)
No lobby do hotel,
O átrio do hotel recebeu-nos com o seu melhor porte altivo,
o lobby do hotel era como uma senhora madura de pele alva e que comunicava a
sua indisponibilidade para o compromisso com o seu vestido preto com de longas
linhas minimalistas. Neste cenário convergiam apenas duas cores, o preto o
branco, divididos por longas linhas do mobiliário de design e onde não ousava
pousar sequer o mais pequeno grão de pó, carpetes luxuosas em preto e um
mármore imaculadamente branco reluzente.
"Sabe qual é a melhor forma de ir para o Parque da
Cidade?"
"Olhe, se calhar é melhor fazer como os outros
maratonistas que vão a pé. São só dois kms. Quem faz uma maratona faz mais
dois..."
...dedo mental
A diferença entre as cores acentuava o efeito de fronteira,
os limites, entre o bem e o mal entre o certo e o errado e convidava todo o
hóspede a um comportamento civilizado, organizado, observando silêncio da sua
posição, como se sentisse a cada passo sentisse que estava a pisar ovos.
Mas todo este espelho falso de luz e sombras foi estilhaçado
logo às 7 da manhã no pequeno almoço, quando centenas de hóspedes vestidos de
cores garridas, das suas equipas e equipados para ir correr uma maratona
invadiram o restaurante do hotel, gerando um caos organizado, divertido, e onde
se adivinhava o fervilhar de entusiasmo nos sons que finalmente se ouviam.
Estranho, privilegiando a ingestão de hidratos e líquidos. Ninguém tocou no
leite...
Parque da Cidade.
Confesso que normalmente não gosto de dizer bem desta
cidade, enfim outros futebois, mas a verdade é que os parque desta cidade batem
aos pontos os da Capital.
O Outono aqui tem cores mais vivas, os verdes são mais
verdes, os amarelos mais amarelos e até os vermelhos são mais vermelhos,
salpicado com uma humidade no ar natural daquela zona que me faz sentir
maravilhado.
Chegados ao recinto de partida da prova, com uma passagem
nervosa pela wc, foi me fácil encontrar os restantes membros da pandilha e
aproveitar para largar algum do nervosismo inicial. Dirigimo-nos aos blocos
respectivos, acertamos os relógios e ouvimos o tiro de partida. Corremos 100
metros mas recomeçamos a andar, andar numa maratona?
Setembro de 2015
Estava na expo de cócoras, corpo dobrado sobre si mesmo,
espírito quebrado, depois de correr 27 kms dos 30 que me tinha comprometido
naquele dia. Doíam-me os abdominais e os abdutores nas pernas e mal conseguia
alongar.
Nestes dias de preparação para a maratona, experimentei um
sentimento novo, para além das dores da pubalgia, sentia um enjoo, um nojo de
correr, perdi a vontade de correr, perdi o prazer de correr. Se não fossem os
compromissos com os meus companheiros de alcatrão não me apetecia sair para
correr. Correr tinha-se tornado um frete, e depois deste treino, então, resolvi
para proteger o corpo e a mente, e parei.
Foi tempo de parar, fechar os olhos e olhar para dentro,
parar e pensar o que estava a fazer, porque estava a fazer, para e voltar para
o básico, para as raízes, para a lama, para o
cheiro húmido da floresta, do sentimento de liberdade, o perfume da
seiva, de estar acompanhado de mim mesmo... Deixar que a montanha cuide de mim,
que a floresta me alimente esta vontade de desatar a correr trilhos acima com a
alegria de uma criança a brincar.
Saída do Parque
Passada a passada vinha acompanhado com o Ricardo, passada a
passada vi o Eduardo e o Filipe disparar perseguindo os seus sonhos, passada a
passada eu e o Ricardo fazíamos figuras tristes atrás de uma fotografa; passada
a passada vi o Pedro ir a correr "na dele" apenas cinco metros à
frente, passada a passada convenci o Ricardo a apanhar o Pedro que ia à nossa
velocidade, passada a passada apanhamos o Pedro, passada a passada cantei-lhes
com o meu melhor falsete em voz alta o "My Heart Will Go On" da
Celine Dion (uma private escusam de tentar perceber).
Não íamos a uma velocidade muito elevada, cerca de seis ao
quilometro, pelo que aproveitamos os quinze quilómetros para dizer os maiores
disparates que nos vinham à cabeça, desde comentar a equipa de Homens-Aranha
que nos acompanhavam, até às Frances(inh)as que puxavam "Allez
Ricardô"
Sim, quinze quilómetros! Eu e o Ricardo íamos à family race
por dificuldades na preparação e o Pedro ia fazer a sua maratona. Nesta family race apanhámos a parte mais feia
do trajecto da maratona, do parque da cidade até ao porto de Leixões seguimos
pela zona mais industrial, com grande parte do percurso feito em cima daqueles
paralelepípedos irregulares que nos moem os pés. Pelo menos deu para fazer 100
metros a correr de costas...
Já me chateava o Ricardo estar sempre a dizer que eu podia
ir à minha velocidade, apetecia-me ir com eles e depois? Ao menos o Pedro está
sempre calado. "Vais fazer o último km a sprintar?" - Cala-te e
corre, pá! :)
Acabada a corrida, foi a vez de andar 3 kilometros inteiros
até ao Hotel. Quando lá cheguei, na entrada, uma corredora saiu de um carro com
dorsal ainda na camisola e disse: "Não havia taxis, não havia autocarros,
tive que tomar uma carona né? não podia via a pé!" ... doem-me os pés,
pensei.
Depois do banho (desta vez tomei, tinha um social depois),
dirigi-me ao Capa Negra II para um excelente repasto pós prova, com a família do Ricardo. Foi tempo de
descobrir as francesinhas, e partilhar as experiências da prova.
Para esmoer aquele molho todo acompanhado a batatas fritas,
peguei na mulher e fomos passear ao Jardim de Serralves, melhor Serralves não é
um jardim, Serralves é uma obra de arte. Fui passear em arte... Já conhecia, e
hei-de lá voltar. é dos recantos mais bonitos construídos pelo homem em
Portugal.
Já com a alma lavada, eram cerca das 18h quando estacionei
na Rua Arqº Marques da Silva para uma ultima celebração da amizade em familia
no Capa Negra II (Outra vez!). Durante três horas foram servidos sorrisos e
gargalhadas acompanhados de gritos de crianças, e regados com brincadeiras,
biberões atirados à cara e declarações de amor em público. É fácil...