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terça-feira, 5 de abril de 2016

Barragem do Rio da Mula - O primeiro dia do resto da minha vida

 
Diz a canção, “a princípio é simples, anda-se sozinho”, ainda a relembrar as memórias da maratona de Barcelona que mexem muito comigo, mas tão focado nos 42 kms do Gerês que me esqueci de me inscrever para a corrida do Benfica. Ora não são os 42 kms que me assustam, “passa-se nas ruas bem devagarinho” e vai-se fazendo… não, o que me abre os olhos e me faz engolir em seco são os 1.800 metros de desnível acumulado. Nunca fiz nada parecido e o que fiz sei que me fez sofrer mesmo com cifras bem mais pequenas.
 
Assim, e pese embora a ausência do meu companheiro de trilhos, resolvi finalmente começar algo que adiava há muito tempo. “Estou bem no silêncio e no borborinho”, mas era uma ideia que já me lotava a cabeça e me escorria pelos olhos, estava farto de ler palavras e ver fotos nos blogues alheios, “bebi as certezas num copo de vinho” e decidi, tinha de começar a treinar na Serra de Sintra.
 
Numa alvorada que chorava indiferentemente à alegria da minha primeira vez, tinha combinado com um colega de trabalho às 8 da manhã, e devo ter sido o primeiro a chegar à Barragem do Rio da Mula. Nessa altura a chuva jorrava agora só pelos sulcos de serra abaixo e ela, com nuvens baixas que não a deixavam entrever, recebeu-nos coberta um véu nupcial, como se fosse a minha noiva, fitei o espelho de água que se abria à minha frente “e veio-me à memória uma frase batida…”
 
Hoje é o primeiro dia do resto da tua vida.
 
 
Devagar começamos a correr, “pouco a pouco o passo faz-se vagabundo”, era a primeira vez que iria entrar nela, enchi-me de coragem e aqui vou eu iniciar a primeira rampa, “dá-se a volta ao medo, dá-se a volta ao mundo”. Deixei de pensar na Marató, “diz-se do passado, que está moribundo”. Dei a volta à barragem, “bebi alento de um copo sem fundo” e meti-me pelo Trilho das Pontes e com a beleza daquele bosque mágico “veio-me à memória…”
 
Subimos, subimos e voltamos a subir, com algumas paragens confesso, pelas entranhas de uma floresta que se encontrava vestida a rigor de um conto de fantasia. As árvores altas, a neblina, os cheiros e os sons criam uma envolvente de magia e mistério. Pelo caminho julguei ver uns elfos por detrás de umas árvores e juro que vi, uma moira encantada.
 
 
Até que finalmente nos encontrarmos numa encruzilhada que nos iria definir o treino todo. Daí iriamos explorar o parque numa estratégia em estrela. Ainda frescos, fomos descobrir a parede que nos eleva até à mítica Pedra Amarela. Mesmo nublada, ou se calhar, por causa disso, a Serra oferece-nos experiencias e sensações que nos sopram um sorriso na cara que só nós, uns e outros que passávamos por ali sabíamos o porquê cá dentro. Podia discorrer aqui mil razões que amanhã encontraria sempre mais uma para adorar correr na montanha.
 
Depois da Pedra Amarela, com todo o ritual que ela nos obriga, lançamo-nos numa série de voltas ao parque com um grau elevado de aleatoriedade, e onde me perdi várias vezes, algo que adoro diga-se, até que com 11 kms feitos, voltamos à Barragem para planear a segunda parte do treino.
 
E é aí que eu começo a ver, primeiro ao longe, depois mais perto, uma personagem recorrente nos contos de fadas que leio semanalmente… hesito… não é? É? É! A subir a serra encontro o Capuchinho Vermelho juntamente com o Lobo… Mau? Bom, se o lobo é mau ou não, só ela o poderá dizer, mas que parecia que ele, sobranceiro, olhava para ela com algum carinho.
 
 
 
Meti-me com ela, e lá nos apresentámos – “olá Capuchinho Vermelho” “Olá Olharapo velho” respondeu ela, um pouco a contragosto :P, lá conferenciamos sobre os treinos e os próximos desafios. Despedimo-nos mas como ela foi pela rampa que nós íamos subir, obrigou-me a fazer essa rampa a correr para não dar mau aspecto. Cena que se repetiu mais à frente quando eu subia calmamente e ela estava parada a decidir para onde ir: “João corre! Que não podemos dar parte fraca às visitas." Pese embora tenha sido pouco tempo foi muito bom conhecê-la, e ela sabe-o. Gostava mesmo que um dia destes para além de nos deliciar com rampas, ou outra forma de superação, nos delicie a todos com páginas de papel a jorrar de palavras dela que se unam em ideias dela.
 
 
Um dia talvez…
 
Mas sabem como é, depois de muitos quilómetros, uma pessoa está desanimada, “os amigos oferecem-nos leito, e entramos cansados e saímos refeitos”. E toda aquela (pouca) conversa encheu-me de vontade, Olhamos para cima e “luta-se por tudo o que se leva a peito”. Fomos outra vez à Pedra Amarela, enchemos os cantis, “bebemos, comemos e alguém nos diz bom proveito”, voltamos a correr para a Barragem e ao ver aquele espelho que nos recebeu à 19 kms atrás, “vem-me à memória uma frase batida”… vou fazer isto todas as semanas.
 
Ainda há muita letra para correr e serra para cantar.
 
Hoje foi apenas o primeiro dia do resto da minha vida.
 

4 comentários:

  1. Aquelas brumas inspiraram-te para uma bela história de encantar. :) Mouras, Capuchinho, Lobos... :D Agora já entendes tudo o que escrevo sobre Sintra (o livro fica para um dia talvez...) ;)
    Bjs

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Olha outro ;)

    E assim cansados vão os corpos para casa.

    Abraço

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  4. É isso mesmo :) Então o outro que por lá andava eras tu :)

    Abraço

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