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quarta-feira, 12 de março de 2014

COMEÇAR A CORRER - A minha experiencia



Se tudo correr bem, neste Domingo completar-se-à o meu primeiro (espera-se entre muitos) ciclo anual de provas. A primeira prova foi a mini-maratona da ponte 25 de Abril e com a meia maratona encerra-se um ano de evoluções, de altos e baixos, recordes e lesões. E achei que era altura de reflectir um pouco do que me levou a começar a correr, sobre as sensações e experiências que passei.

Começar a correr


Como aviso prévio aos (poucos) leitores, devo referir que esta história de como comecei a correr terá provavelmente muitas semelhanças com tantas outras tantas por aí, de quem tenha começado a correr já em adulto.

O Inicio


E esta viagem começa em Maio de 2012, num gabinete de fisioterapia, bem conhecido do pessoal de onde trabalho, para onde arrastava diariamente o meu corpo, recuperando de uma entorse em eversão (para dentro) no pé direito com estiramento do ligamento. A lesão em si, foi obtida num jogo de futebol, e já derivava do sobre esforço colocado ao tornozelo para efetuar uma travagem brusca de tanto peso em cima do pé.

No final dos tratamentos, e como teste, a Inês (a fisioterapeuta, e culpada) começa por me mandar correr cinco minutos na passadeira, cinco minutos inteiros... A mim, ao rapaz que quando fazia educação física na escola não conseguia, nem gostava, de correr mais do que 2 a 3 minutos consecutivos. Petrifiquei…

A medo de fazer má figura e com muita concentração para não perder o controlo da respiração, lá faço os 5 minutos, que passam consecutivamente a 6, 7, 8 e 10 minutos. Depois da alta, apanho o gosto de me desafiar, e experimento as técnicas de corrida recentemente adquiridas, agora na passadeira do ginásio, sempre a esticar os tempos de corrida até aos 20 minutos. 20 minutos inteiros em cima da passadeira, inacreditável! Em segredo sinto-me o “rei do mundo”.

Num fim de semana de Junho resolvo deixar a passadeira e experimentar correr em estrada… mas descubro que afinal a passadeira faz metade do trabalho, não é? No asfalto, o impulso temos que ser nós a dar, enquanto a passadeira manda os nossos pés automaticamente para trás. Cansa, não é? Pois é, são os paradoxos da escola da vida, primeiro faz-nos os exames e depois de chumbarmos é que nos dá as lições.


Passadas as férias de Verão, tirei as indicações necessárias para começar a correr, depois de consultar vários blogs sobre o tema,entre os quais o famigerado “Runbook de um gajo que mudou de vida” do Paulo Pires, acabou por me ajudar muito. Já munido de um relógio com leitor de cardiofrequência - claramente necessário dado o excesso de peso - recomeço por correr por períodos de nove minutos intercalados por um minuto de marcha, que se vão alargando até conseguir correr 40 minutos contínuos.

Com as dores musculares depois dos treinos podia eu, era o corpo a habituar-se ao exercício, os alongamentos ajudavam a recuperar, mas o pior eram as dores nos calcanhares e nas articulações do pé. Não eram normais, mesmo com o meu excesso de peso a sobrecarregar as articulações. Como na altura usava uns ténis da marca branca de uma grande superfície desportiva, resolvi fazer um teste de passada, numa marca de ténis conhecida. Entrei convencidíssimo que seria supinador, mas - depois de correr numa passadeira e de ver em filme as minhas pernas “a dar a dar”, como se fossem duas pernas de peru - os ângulos entre a perna, o tornozelo e o pé demonstraram precisamente o contrário, era neutro com alguma tendência para pronador!


Já com calçado adequado ocorreu um momento marcante no treino seguinte, e por isso o refiro aqui. Tinha por objectivo finalmente chegar aos 60 minutos de corrida continua e iniciei, como habitualmente, sempre concentrado no ritmo da respiração, a olhar para o relógio para controlar as pulsações cardíacas, acelerando e desacelerando para manter uma passada confortável. Se no inicio da corrida sinto sempre o meu corpo no limite, em esforço, aos 40 minutos do treino comecei a ser invadido por uma sensação de bem-estar e a pensar que poderia continuar a correr assim durante 4 horas que nada me afectaria. E após os 50 minutos, nasce uma força e vontade inexorável de desatar a sprintar pela estrada fora… e lá sprintei durante trinta segundos, rapidamente rebentei…

Mas que libertação de prazer físico e sensação bem-estar era aquela no final do treino? E o sentimento de suave euforia que durou um dia inteiro? Não sabia o que era, mas gostei e queria muito repetir a experiência! Desconfio que muitos dos leitores sabem o que é.

Correr sozinho versus correr acompanhado


Entretanto, estávamos em Novembro, e eu corria sozinho, sempre por trilhos conhecidos, ao meu ritmo, sempre na minha zona de conforto e a ouvir a minha música, - descobri que as Salsas e os Sembas angolanos (não perguntem porquê é uma longa história), por serem sempre alegres e terem uma batida á volta dos 90 bpm são óptimas para acompanhar a corrida, mas quando o corpo começa a ir abaixo, o Metal é excelente para forjar a perseverança.

Como já corria 60 minutos seguidos, sentia a necessidade que partilhar esta conquista com alguém, pelo que o escolhido foi o Ricardo, doravante designado por Padrinho, na altura companheiro de ginásio e de ocasionais futeboladas. “Olha outro Queniano, então tens de vir correr connosco!” – “Connosco?” repliquei, “Sim, costumo correr com uns amigos à hora de almoço. Há montes de gente a correr!”. E eis que todo um mundo novo se abriu para mim…

E foi numa fria manhã de Fevereiro, que eu ganhei coragem e primeira vez fui correr com eles, eles são os membros da equipa JRR Desporto que pouco a pouco foi sendo criada informalmente pelo “padrinho”. Como seria de esperar, aguentei apenas 9 minutos num percurso que hoje em dia fazemos em 7, depois disso foi sempre a subir até prefazer os 52 minutos de treino. É curioso conhecer outros corredores e a dinâmica de grupo que se cria num desporto que é fundamentalmente individual, e onde, pelo menos a este nível amador, as diferenças de géneros são eliminadas.

Diferentes pessoas levam a corrida de maneira diferente, com objectivos diferentes, uns são mais competitivos enquanto outros gostam de ir em ritmo de passeio, uns não se calam durante o treino todo e os mais introvertidos vão a curtir a deles. Se, por um lado, é bom treinar sozinho, porque não dependemos de ninguém, porque pomos a cabeça em ordem e porque temos os nossos objectivos específicos, por outro, treinando juntos, partilhamos dificuldades, experiências, há um factor motivacional sobre correr acompanhado que nos acaba por levar mais longe, mais depressa.

Porque corro


Passaram semanas, os treinos e uma colega, com a personalidade muito assertiva, interroga-me, apontando para o meu perímetro abdominal, “Já sei que andas a correr, mas olha que não se vê nada, não sei para quê que corres? Aliás, não sei como é que consegues passar a uma hora inteira a fazer a mesma coisa?”

Apesar de saber que já tinha perdido alguns quilos, as respostas vieram tão naturalmente que me surpreenderam. Eu já não corria para melhorar a condição física, corria porque tinha descoberto que “me diverte, que me faz bem à cabeça”. E quanto ao “estar a fazer a mesma coisa”, ao longo de uma/duas horas a correr o corpo passa por diversas fases, gerimos a velocidade consoante os vários terrenos que trilhamos, e com a experiência vamos conhecendo os nossos limites físicos mas não só, os mentais também, porque a atitude que temos perante a vida, há de ser a atitude que temos na pista, todas as nossas forças e fraquezas emergem, e se o objectivo é não parar, temos de treinar corpo e alma para esticar esses limites, porque no final de contas enfrentamo-nos a nós próprios…“basicamente aprendi a não desistir!”


As Primeiras Provas


Não sei quanto aos outros corredores, mas eu tenho uma espécie de parasita dentro do meu cérebro, ao qual chamo de “e se?”. É um bicho que vai roendo, corroendo devagar, fazendo um ruido surdocontinuo dentro da minha cabeça,que ao início parece fácil de ignorar,mas que, com o tempo, nunca nos deixa descansados ou em paz connosco próprios, até que cedamos à sua vontade. E este bicho repetia vezes sem conta: “e se fizesses a mini-maratona da ponte 25 de Abril? São só 7 quilómetros e já a fizeste a andar.”

Inscrevi-me para a mini-maratona da ponte, e lá fui sozinho no meio de um tabuleiro de trinta mil pessoas que fervilhavam em festa antes da partida, nervoso sobre se conseguiria correr a distância toda sem parar, fui correndo sempre na defensiva, mas consegui e foi uma satisfação enorme chegar à meta.

Logo a seguir, cheio de vontade com os treinos, e já na secção de atletismo dos Serviços Sociais CGD, inscrevo-me para a prova de 5 kms da corrida do Benfica. Pode o leitor perguntar porque é que eu me inscrevi numa prova da 5 kms depois de ter feito 7 kms, questionando esta (des)evolução. Pode e deve, aliás os meus companheiros fizeram a mesma coisa, aproveitando a altura para me adjectivar de diversas formas, tendo inclusivé exaurindo todo o vocabulário da língua portuguesa associado à falta de virilidade, mas felizmente os Deuses olímpicos fizeram com que alguém se enganasse na inscrição, e me tivesse inscrito na prova dos 10 kms.


10 kms inteiros! Com as rampas da Avenida Lusíada e com a rampa de Carnide, que são quase 2 kms, porém com a possibilidade de correr no estádio da Luz. Parecia-me tudo uma muralha intransponível. Mas felizmente na semana anterior os meus companheiros tinham puxado por mim, e depois da ansiedade da partida, que incluiu uma insónia, consegui fazer a prova, que é fabulosa para quem é benfiquista. E mais uma vez, a ideia de que todo o esforço dispendido na preparação e na corrida valeu a pena, o sentimento de superação é sensacional.

E o resto podem seguir aqui no Blogue, se tiverem muita muita muita paciência e algum desequilibro mental.

Para este ano sonho em aumentar as distancias das provas feitas, e especialmente, entregar-me ao verde e mergulhar na aventura nos Trails... a divertir-me, continuar a conhecer pessoas e a mim próprio.

A todos obrigado por lerem.
A todos obrigado por correrem comigo.


14 comentários:

  1. Já viste tudo o que fizeste num ano??? Parabéns pá!!!

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    1. Por acaso, quando olho para trás vejo o quão espectacular esta experiencia tem sido. Obrigado

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  2. Só depois de ler o comentário do Ricardo é que percebi... isto foi tudo num ano?? :) Parabéns!
    Todas as histórias são diferentes, todos começam a correr pelos mais variados motivos, mas depois, os que continuam a correr, sabem que é pelo mesmo, porque sim, mesmo que já sejamos magros/saudáveis/felizes.
    Boas corridas! :)

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    1. Sim, é verdade foi um ano :):):) Obrigado!

      Estou muito curioso das surpresas que o próximo me trará. :) 1º mais felizes 2º mais saudáveis.

      Bons treinos e boas corridas

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  3. Excelente. Parabéns pela perseverança...nada mau para um primeiro ano. Domingo vai correr tudo bem e vai ser uma excelente forma de coroar "1 ano de corridas". Espero que seja o primeiro de muitos e bons, seja lá em que tipo de piso ou em que distância for....o que interessa é que te sintas feliz.
    Força nisso, e faz a tal incursão num trail, mas aviso-te, é altamente viciante.
    Abraço

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    1. Obrigado. Está marcado para Abril... espero que se concretize o trail de Montejunto!

      Abç e boas passadas

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  4. Boa reflexão!
    É claro que nos identificamos e revemos em muito do que escreveste!
    Força nisso!
    Quanto à banda sonora para a corrida... é logo Metal no início :)

    Abraço

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    1. Está feito, quando passar o portal da partida "Running Free" pela ponte fora \m/

      Obrigadão :):):)

      Abç

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  5. Zémi, está espectacular!
    Felizmente, a tua experiência (de começar a correr) tem sido também a nossa. E assim espero que se mantenha por muito tempo.
    Beijinhos!

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    1. Obrigado :) Muito obrigado :):)

      Conto continuar a correr e a partilhar estas experiências, pelo menos até aos 80 anos. Nem que seja com a ajuda de um paramédico!

      Beijinhos....

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  6. "aos 40 minutos do treino comecei a ser invadido por uma sensação de bem-estar e a pensar que poderia continuar a correr assim durante 4 horas que nada me afectaria." Boa descrição do runners high eheh Andamos todos atrás dele, somos uns viciados. Parabéns pelo primeiro e muita força para domingo!

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  7. Muito bom, Zèmi!
    Bela evolução e ainda mais se pensarmos que é em apenas
    1 ano.
    Claro que se encontram pontos semelhantes em quase todos os que correm apesar de cada um ter a sua rotina, objecivos, colegas assertivas...
    Esse momento em que achamos que podemos continuar assim a correr para sempre é extremamente perigoso e viciante!
    Quanto às escolhas musicais...desde Disco 80's ( sim...eu sei...) até metal...rock sinfónico 70's...
    Que este ciclo seja o primeiro de muitos e...até Domingo :)
    Abraço

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    1. Obrigado... todos nós temos um timbre cá dentro que reverbera consoante a musica. e cada um de nós sabe o que nos motiva.

      Abraço e boas corrida

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