Se
tudo correr bem, neste Domingo completar-se-à o meu primeiro (espera-se entre
muitos) ciclo anual de provas. A primeira prova foi a mini-maratona da ponte 25
de Abril e com a meia maratona encerra-se um ano de evoluções, de altos e
baixos, recordes e lesões. E achei que era altura de reflectir um pouco do que me levou a começar a correr, sobre as sensações e experiências que passei.
Começar a correr
Como
aviso prévio aos (poucos) leitores, devo referir que esta história de como
comecei a correr terá provavelmente muitas semelhanças com tantas outras tantas
por aí, de quem tenha começado a correr já em adulto.
O Inicio
E esta
viagem começa em Maio de 2012, num gabinete de fisioterapia, bem conhecido do
pessoal de onde trabalho, para onde arrastava diariamente o meu corpo, recuperando
de uma entorse em eversão (para dentro) no pé direito com estiramento do
ligamento. A lesão em si, foi obtida num jogo de futebol, e já derivava do sobre
esforço colocado ao tornozelo para efetuar uma travagem brusca de tanto peso em
cima do pé.
No
final dos tratamentos, e como teste, a Inês (a fisioterapeuta, e culpada)
começa por me mandar correr cinco minutos na passadeira, cinco minutos inteiros...
A mim, ao rapaz que quando fazia educação física na escola não conseguia, nem
gostava, de correr mais do que 2 a 3 minutos consecutivos. Petrifiquei…
A
medo de fazer má figura e com muita concentração para não perder o controlo da
respiração, lá faço os 5 minutos, que passam consecutivamente a 6, 7, 8 e 10
minutos. Depois da alta, apanho o gosto de me desafiar, e experimento as
técnicas de corrida recentemente adquiridas, agora na passadeira do ginásio,
sempre a esticar os tempos de corrida até aos 20 minutos. 20 minutos inteiros
em cima da passadeira, inacreditável! Em segredo sinto-me o “rei do mundo”.
Num
fim de semana de Junho resolvo deixar a passadeira e experimentar correr em
estrada… mas descubro que afinal a passadeira faz metade do trabalho, não é? No
asfalto, o impulso temos que ser nós a dar, enquanto a passadeira manda os
nossos pés automaticamente para trás. Cansa, não é? Pois é, são os paradoxos da
escola da vida, primeiro faz-nos os exames e depois de chumbarmos é que nos dá
as lições.
Passadas
as férias de Verão, tirei as indicações necessárias para começar a correr, depois
de consultar vários blogs sobre o tema,entre os quais o famigerado “Runbook de
um gajo que mudou de vida” do Paulo Pires, acabou por me ajudar muito. Já
munido de um relógio com leitor de cardiofrequência - claramente necessário
dado o excesso de peso - recomeço por correr por períodos de nove minutos intercalados
por um minuto de marcha, que se vão alargando até conseguir correr 40 minutos contínuos.
Com
as dores musculares depois dos treinos podia eu, era o corpo a habituar-se ao
exercício, os alongamentos ajudavam a recuperar, mas o pior eram as dores nos
calcanhares e nas articulações do pé. Não eram normais, mesmo com o meu excesso
de peso a sobrecarregar as articulações. Como na altura usava uns ténis da
marca branca de uma grande superfície desportiva, resolvi fazer um teste de
passada, numa marca de ténis conhecida. Entrei convencidíssimo que seria
supinador, mas - depois de correr numa passadeira e de ver em filme as minhas
pernas “a dar a dar”, como se fossem duas pernas de peru - os ângulos entre a
perna, o tornozelo e o pé demonstraram precisamente o contrário, era neutro com
alguma tendência para pronador!
Já
com calçado adequado ocorreu um momento marcante no treino seguinte, e por isso
o refiro aqui. Tinha por objectivo finalmente chegar aos 60 minutos de corrida
continua e iniciei, como habitualmente, sempre concentrado no ritmo da
respiração, a olhar para o relógio para controlar as pulsações cardíacas,
acelerando e desacelerando para manter uma passada confortável. Se no inicio da
corrida sinto sempre o meu corpo no limite, em esforço, aos 40 minutos do
treino comecei a ser invadido por uma sensação de bem-estar e a pensar que
poderia continuar a correr assim durante 4 horas que nada me afectaria. E após os
50 minutos, nasce uma força e vontade inexorável de desatar a sprintar pela estrada fora… e lá sprintei durante trinta segundos, rapidamente
rebentei…
Mas
que libertação de prazer físico e sensação bem-estar era aquela no final do
treino? E o sentimento de suave euforia que durou um dia inteiro? Não sabia o
que era, mas gostei e queria muito repetir a experiência! Desconfio que muitos
dos leitores sabem o que é.
Correr sozinho versus correr acompanhado
Entretanto,
estávamos em Novembro, e eu corria sozinho, sempre por trilhos conhecidos, ao
meu ritmo, sempre na minha zona de conforto e a ouvir a minha música, - descobri
que as Salsas e os Sembas angolanos (não perguntem porquê é uma longa
história), por serem sempre alegres e terem uma batida á volta dos 90 bpm são óptimas para acompanhar a corrida, mas quando o corpo começa a ir abaixo, o
Metal é excelente para forjar a perseverança.
Como
já corria 60 minutos seguidos, sentia a necessidade que partilhar esta
conquista com alguém, pelo que o escolhido foi o Ricardo, doravante designado
por Padrinho, na altura companheiro de ginásio e de ocasionais futeboladas. “Olha
outro Queniano, então tens de vir correr connosco!” – “Connosco?” repliquei,
“Sim, costumo correr com uns amigos à hora de almoço. Há montes de gente a
correr!”. E eis que todo um mundo novo se abriu para mim…
E foi
numa fria manhã de Fevereiro, que eu ganhei coragem e primeira vez fui correr
com eles, eles são os membros da equipa JRR Desporto que pouco a pouco foi
sendo criada informalmente pelo “padrinho”. Como seria de esperar, aguentei apenas
9 minutos num percurso que hoje em dia fazemos em 7, depois disso foi sempre a
subir até prefazer os 52 minutos de treino. É curioso conhecer outros
corredores e a dinâmica de grupo que se cria num desporto que é
fundamentalmente individual, e onde, pelo menos a este nível amador, as
diferenças de géneros são eliminadas.
Diferentes
pessoas levam a corrida de maneira diferente, com objectivos diferentes, uns
são mais competitivos enquanto outros gostam de ir em ritmo de passeio, uns não
se calam durante o treino todo e os mais introvertidos vão a curtir a deles.
Se, por um lado, é bom treinar sozinho, porque não dependemos de ninguém,
porque pomos a cabeça em ordem e porque temos os nossos objectivos específicos,
por outro, treinando juntos, partilhamos dificuldades, experiências, há um
factor motivacional sobre correr acompanhado que nos acaba por levar mais
longe, mais depressa.
Porque corro
Passaram
semanas, os treinos e uma colega, com a personalidade muito assertiva, interroga-me,
apontando para o meu perímetro abdominal, “Já sei que andas a correr, mas olha
que não se vê nada, não sei para quê que corres? Aliás, não sei como é que
consegues passar a uma hora inteira a fazer a mesma coisa?”
Apesar
de saber que já tinha perdido alguns quilos, as respostas vieram tão
naturalmente que me surpreenderam. Eu já não corria para melhorar a condição
física, corria porque tinha descoberto que “me diverte, que me faz bem à
cabeça”. E quanto ao “estar a fazer a mesma coisa”, ao longo de uma/duas horas
a correr o corpo passa por diversas fases, gerimos a velocidade consoante os vários
terrenos que trilhamos, e com a experiência vamos conhecendo os nossos limites físicos
mas não só, os mentais também, porque a atitude que temos perante a vida, há de
ser a atitude que temos na pista, todas as nossas forças e fraquezas emergem, e
se o objectivo é não parar, temos de treinar corpo e alma para esticar esses
limites, porque no final de contas enfrentamo-nos a nós próprios…“basicamente
aprendi a não desistir!”
As Primeiras Provas
Não
sei quanto aos outros corredores, mas eu tenho uma espécie de parasita dentro do meu
cérebro, ao qual chamo de “e se?”. É um bicho que vai roendo, corroendo
devagar, fazendo um ruido surdocontinuo dentro da minha cabeça,que ao início
parece fácil de ignorar,mas que, com o tempo, nunca nos deixa descansados ou em
paz connosco próprios, até que cedamos à sua vontade. E este bicho repetia
vezes sem conta: “e se fizesses a mini-maratona da ponte 25 de Abril? São só 7 quilómetros
e já a fizeste a andar.”
Inscrevi-me
para a mini-maratona da ponte, e lá fui sozinho no meio de um tabuleiro de
trinta mil pessoas que fervilhavam em festa antes da partida, nervoso sobre se
conseguiria correr a distância toda sem parar, fui correndo sempre na
defensiva, mas consegui e foi uma satisfação enorme chegar à meta.
Logo
a seguir, cheio de vontade com os treinos, e já na secção de atletismo dos
Serviços Sociais CGD, inscrevo-me para a prova de 5 kms da corrida do Benfica. Pode
o leitor perguntar porque é que eu me inscrevi numa prova da 5 kms depois de
ter feito 7 kms, questionando esta (des)evolução. Pode e deve, aliás os meus
companheiros fizeram a mesma coisa, aproveitando a altura para
me adjectivar de diversas formas, tendo inclusivé exaurindo todo o vocabulário
da língua portuguesa associado à falta de virilidade, mas felizmente os Deuses
olímpicos fizeram com que alguém se enganasse na inscrição, e me tivesse inscrito
na prova dos 10 kms.
10
kms inteiros! Com as rampas da Avenida Lusíada e com a rampa de Carnide, que
são quase 2 kms, porém com a possibilidade de correr no estádio da Luz.
Parecia-me tudo uma muralha intransponível. Mas felizmente na semana anterior
os meus companheiros tinham puxado por mim, e depois da ansiedade da partida,
que incluiu uma insónia, consegui fazer a prova, que é fabulosa para quem é
benfiquista. E mais uma vez, a ideia de que todo o esforço dispendido na
preparação e na corrida valeu a pena, o sentimento de superação é sensacional.
E o
resto podem seguir aqui no Blogue, se tiverem muita muita muita paciência e
algum desequilibro mental.
Para
este ano sonho em aumentar as distancias das provas feitas, e especialmente,
entregar-me ao verde e mergulhar na aventura nos Trails... a divertir-me, continuar a conhecer pessoas e a mim próprio.
A
todos obrigado por lerem.
A todos obrigado por correrem comigo.
A todos obrigado por correrem comigo.
Já viste tudo o que fizeste num ano??? Parabéns pá!!!
ResponderEliminarPor acaso, quando olho para trás vejo o quão espectacular esta experiencia tem sido. Obrigado
EliminarSó depois de ler o comentário do Ricardo é que percebi... isto foi tudo num ano?? :) Parabéns!
ResponderEliminarTodas as histórias são diferentes, todos começam a correr pelos mais variados motivos, mas depois, os que continuam a correr, sabem que é pelo mesmo, porque sim, mesmo que já sejamos magros/saudáveis/felizes.
Boas corridas! :)
Sim, é verdade foi um ano :):):) Obrigado!
EliminarEstou muito curioso das surpresas que o próximo me trará. :) 1º mais felizes 2º mais saudáveis.
Bons treinos e boas corridas
Excelente. Parabéns pela perseverança...nada mau para um primeiro ano. Domingo vai correr tudo bem e vai ser uma excelente forma de coroar "1 ano de corridas". Espero que seja o primeiro de muitos e bons, seja lá em que tipo de piso ou em que distância for....o que interessa é que te sintas feliz.
ResponderEliminarForça nisso, e faz a tal incursão num trail, mas aviso-te, é altamente viciante.
Abraço
Obrigado. Está marcado para Abril... espero que se concretize o trail de Montejunto!
EliminarAbç e boas passadas
Boa reflexão!
ResponderEliminarÉ claro que nos identificamos e revemos em muito do que escreveste!
Força nisso!
Quanto à banda sonora para a corrida... é logo Metal no início :)
Abraço
Está feito, quando passar o portal da partida "Running Free" pela ponte fora \m/
EliminarObrigadão :):):)
Abç
Zémi, está espectacular!
ResponderEliminarFelizmente, a tua experiência (de começar a correr) tem sido também a nossa. E assim espero que se mantenha por muito tempo.
Beijinhos!
Obrigado :) Muito obrigado :):)
EliminarConto continuar a correr e a partilhar estas experiências, pelo menos até aos 80 anos. Nem que seja com a ajuda de um paramédico!
Beijinhos....
"aos 40 minutos do treino comecei a ser invadido por uma sensação de bem-estar e a pensar que poderia continuar a correr assim durante 4 horas que nada me afectaria." Boa descrição do runners high eheh Andamos todos atrás dele, somos uns viciados. Parabéns pelo primeiro e muita força para domingo!
ResponderEliminarÉ isso mesmo!!! Drogadito. Obrigado. Abraço
EliminarMuito bom, Zèmi!
ResponderEliminarBela evolução e ainda mais se pensarmos que é em apenas
1 ano.
Claro que se encontram pontos semelhantes em quase todos os que correm apesar de cada um ter a sua rotina, objecivos, colegas assertivas...
Esse momento em que achamos que podemos continuar assim a correr para sempre é extremamente perigoso e viciante!
Quanto às escolhas musicais...desde Disco 80's ( sim...eu sei...) até metal...rock sinfónico 70's...
Que este ciclo seja o primeiro de muitos e...até Domingo :)
Abraço
Obrigado... todos nós temos um timbre cá dentro que reverbera consoante a musica. e cada um de nós sabe o que nos motiva.
EliminarAbraço e boas corrida