Uma crónica tardia
Esta era a prova que celebrava o primeiro aniversário em que
fiz a minha primeira prova, a mini maratona da ponte, e depois de muitas provas,
cheguei a esta vindo de duas provas que me correram particularmente bem; os
20+1 kms de Cascais e a corrida das Lezírias (15,6 kms). A primeira por ter
aguentado bem a distancia em bom tempo (1h 52m 56s) e a segunda por ter
aguentado um ritmo de 5:06 ao km durante aquela distância.
Por outro lado, temos que assumir
que o carácter desta prova, transmitida há vários anos pela televisão para todo
o país, é de festa popular do desporto. E este foco excessivo na festa acaba
por perder o essencial que é a corrida em si, acabando por trazer alguns
inconvenientes para a experiência como iremos ver abaixo.
E foi ao raiar do dia que cheguei com a minha gente a Belém,
num alegre convívio - começo cada vez mais a gostar da palhaçada que antecede e
precede cada corrida - e foi com facilidade que nos endereçámos
de autocarro para a estação de Campolide. Eis que chegados à estação...
Passa o primeiro comboio completamente atulhado de corredores...
resolvemos esperar.
Passa outro comboio a fazer lembrar os melhores dias de
transportes públicos empacotados... resolvemos esperar.
Ao terceiro comboio, os corredores que o preenchiam eram
sardinhas em lata, inspiramos...
Decidimos arriscar e forçar a entrada. Foram 20 minutos
repletos de calor humano e de novas sensações corporais. Fui com a mão agarrada
à parede, não porque precisava para me segurar, não para segurar a parede, mas simplesmente
porque não tinha mais sitio onde meter a mão.
Saídos do comboio, expiramos...
Fomos recebidos no Pragal pela charanga animada do costume,
as meninas da Wells deram-nos o protector solar, ao que me besuntei todo até
ficar mais branco que os calções do Néné, e com muita dificuldade no viaduto do
Pragal (todos os anos é a mesma coisa), lá conseguimos chegar à praça das
portagens.
Um aquecimento ligeiro e juntamo-nos à cauda da grande
serpente que era a massa popular de 40.000 pessoas. Todavia faltava-nos
encontrar uma pessoa do team, mas eis que, como habitualmente em cada meia
maratona, estava na fila do wc. E de repente...
PARTIDA!!!
Aí vamos nós... não, não, não, não vamos a lado nenum! Uma
massa disforme de mini maratonistas passa à nossa frente... Inacreditável.
Aqui vamos nós... E sete... Sete... SETE?!?!?!? longos
minutos depois chegámos a passo à linha de partida.
Com o tabuleiro da Ponte entupido de andarilhos, só se
conseguia correr na faixa de grades. Repete-se ininterruptamente o ciclo
sprinta/anda, sprinta/anda, sprinta/anda, o que me vai desgastando aos poucos.
À saida da ponte, depois do 1º km (a 6:54) já se consegue
correr continuamente e vou acelerando até aos 5:30, depois até aos 5:12, 4º km
voltei aos 5:27, no 5ºkm fiz a 5:11 e a partir de Santos estabilizei à volta
dos 5:25.
Toda esta fase foi feita sempre a ultrapassar facilmente
outros corredores e ia com o ego em alta. Ainda na direcção do Cais do Sodré
cumprimentei pela primeira vez, os outros membros do blog que já corriam no
sentido contrário. Sim, iam à minha frente.
Ao 8º km virei no sentido de Belém e fiz o primeiro
abastecimento de água. Tento acelerar para uma média de 5:15 mas não consigo,
ora porque ainda há muitos corredores em ritmo lento, ora porque qualquer coisa
me dizia não estar capaz.
Assim sendo, vou mantendo o ritmo de 5:25 até à primeira
passagem pelos Jerónimos, sempre passando outros corredores nalgumas acelerações
que me continuam a desgastar. Reparo pelo caminho que existem muitos, mas
muitos corredores estrangeiros; Espanhóis, Americanos, Franceses, Italianos,
Suecas e evidentemente Quenianos. Esta prova está-se claramente a
internacionalizar.
Aos 15 kms ingiro o gel, bebo água e fico à espera do efeito
explosão para o último quartil da corrida. A correr na via central vejo a
Sofia, o Rui e o Paulo a correr em sentido contrário. Era a segunda vez que nos
cruzávamos. Abro os braços, lanço um grito e cumprimento os 3 com as palmas das
mãos. Momento infantil e o auge da minha motivação ao longo da corrida.
Entretanto, afinal o efeito explosivo do gel não chegou.
Viro na Cruz Quebrada para a direção de Belém, Nos últimos 5 kms vou sentindo-me cada vez mais cansado, e começo a ter a noção de que o calor está a
fazer as suas vítimas. Se por um lado, eu tenho a noção de que não consigo
acelerar e me está a ser difícil continuar a correr, por outro muitos
corredores encontram-se prostrados a ser assistidos na beira da marginal.
Nos últimos 3 kms sentia o meu corpo cansado e a minha
respiração ofegante. Encontro o Eduardo em dificuldades no músculo da perna,
acompanho-o durante uns minutos e depois arranco. Mais à frente encontro o Joel
que se esticou na primeira parte da corrida.
Mas custava-me muito cada passo que dava. Na minha cabeça
pairava a dúvida se teria que parar para andar - que é algo que eu abomino, se
uma pessoa vem para uma corrida é para correr, e é cumprir esse objectivo que
nos dá a sensação de realização.
Mentalmente obrigava-me a pôr um pé à frente do outro, a
inspirar a cada duas passadas e a expirar a cada duas passadas. Obrigava os
meus braços a baloiçar um a um para ajudar a passada. Visualizava o próximo
poste de iluminação e dizia-me “não desistas, não desistas - corre pelo menos
só até ali”, depois “não desistas, não desistas - até aquele viaduto”, e “não
desistas, não desistas - até apanhares àquele corredor que já vai a andar”…
Até que chegou o último quilómetro e à medida que ia vendo
os portais de chegada ao longe, como que por magia o meu cérebro começou a
incorporar e processar esta informação, os olhos arregalaram-se e as pernas ficaram mais
leves. Comecei a acreditar que ia acabar a corrida e a acelerar aos poucos, até
que nas recta da meta quase, quase que fiz um sprint. Acabei! Uf… Não desistir
foi o mais parecido com um sentimento de vitória.
QUERO ÁGUA!!! Acabei de correr durante quase duas horas e
meteram-me numa cerca com 30.000 pessoas em jeito de manada, não há espaço para
alongar, a 1ª coisa que me dão é a medalha (para as fotos) e demoram
eternidades para dar água, uma banana… Se alguém se sente mal aqui enlatado é o
cabo dos trabalhos. Levo 20 minutos a sair da zona final para ir ter com os
meus colegas.
A organização falhou tanto no inicio como no final que para
o ano só cá venho, se vier para a festa.
Alonguei...
Devagar deitei-me de costas na relva, fechei os olhos, senti
o calor da terra a irradiar-me as costas, a relva a massagar-me os gémeos, e
invadiu-me uma sensação de superação.
Chiça, não sabia que tinha sido assim tão sofrida... Mas está feita! :)
ResponderEliminarComplicado... tenho de perder uns 3 kilos para correr melhor
EliminarPapel químico!
ResponderEliminarBom, tirando os tempos de passagem, mais lentos para mim.
Sobre a organização não escrevo mais, já me desgastou na corrida.
Mas está feita e aprende -se sempre qualquer cousa.
Para o ano...só se for para ver se arranjo melhores recordações da prova.
Eu também tenho que perder 3 kg para correr melhor...de cada vez:-(
Abraço
É verdade... privilegiam as massas populares e não a essência... A corrida. Obrigado.
EliminarAbç
Já tinha essa opinião desta prova, para além da logística para lá chegar, a confusão inicial a fintar os atletas da mini e depois o afunilar da multidão no final. Em termos de prova-festa, acho que a da Ponte Vasco da Gama funciona um bocadinho melhor, apesar de terminarmos a correr em empedrado.
ResponderEliminarDe resto, está feita! Agora vai lá correr um trailzinho que quero ler a crónica. :)
Bons treinos!
Curiosamente tive dificuldades em encontrar sensações nova para descrever no texto, como se as corridas de estrada começassem a ser iguais.
EliminarLá para os idos de Abril, se tudo correr bem, deves ter aqui uns textos sobre trails :):):)
Obrigado e boas corridas
A tua descrição está excelente.
ResponderEliminarCustou mas no fim, sensação de superação mais uma vez!
Bons treinos! :)
Obrigado Sofia :)
EliminarPena ter te perdido no maralhal da partida.
Beijinhos