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quinta-feira, 20 de março de 2014

MEIA MARATONA DE LISBOA 2014


Uma crónica tardia


Esta era a prova que celebrava o primeiro aniversário em que fiz a minha primeira prova, a mini maratona da ponte, e depois de muitas provas, cheguei a esta vindo de duas provas que me correram particularmente bem; os 20+1 kms de Cascais e a corrida das Lezírias (15,6 kms). A primeira por ter aguentado bem a distancia em bom tempo (1h 52m 56s) e a segunda por ter aguentado um ritmo de 5:06 ao km durante aquela distância.

Por outro lado, temos que assumir que o carácter desta prova, transmitida há vários anos pela televisão para todo o país, é de festa popular do desporto. E este foco excessivo na festa acaba por perder o essencial que é a corrida em si, acabando por trazer alguns inconvenientes para a experiência como iremos ver abaixo.

E foi ao raiar do dia que cheguei com a minha gente a Belém, num alegre convívio - começo cada vez mais a gostar da palhaçada que antecede e precede cada corrida - e foi com facilidade que nos endereçámos

de autocarro para a estação de Campolide. Eis que chegados à estação...

Passa o primeiro comboio completamente atulhado de corredores... resolvemos esperar.

Passa outro comboio a fazer lembrar os melhores dias de transportes públicos empacotados... resolvemos esperar.

Ao terceiro comboio, os corredores que o preenchiam eram sardinhas em lata, inspiramos...

Decidimos arriscar e forçar a entrada. Foram 20 minutos repletos de calor humano e de novas sensações corporais. Fui com a mão agarrada à parede, não porque precisava para me segurar, não para segurar a parede, mas simplesmente porque não tinha mais sitio onde meter a mão.

Saídos do comboio, expiramos...

Fomos recebidos no Pragal pela charanga animada do costume, as meninas da Wells deram-nos o protector solar, ao que me besuntei todo até ficar mais branco que os calções do Néné, e com muita dificuldade no viaduto do Pragal (todos os anos é a mesma coisa), lá conseguimos chegar à praça das portagens.

Um aquecimento ligeiro e juntamo-nos à cauda da grande serpente que era a massa popular de 40.000 pessoas. Todavia faltava-nos encontrar uma pessoa do team, mas eis que, como habitualmente em cada meia maratona, estava na fila do wc. E de repente...

PARTIDA!!!

Aí vamos nós... não, não, não, não vamos a lado nenum! Uma massa disforme de mini maratonistas passa à nossa frente... Inacreditável.

Aqui vamos nós... E sete... Sete... SETE?!?!?!? longos minutos depois chegámos a passo à linha de partida.

Com o tabuleiro da Ponte entupido de andarilhos, só se conseguia correr na faixa de grades. Repete-se ininterruptamente o ciclo sprinta/anda, sprinta/anda, sprinta/anda, o que me vai desgastando aos poucos.

À saida da ponte, depois do 1º km (a 6:54) já se consegue correr continuamente e vou acelerando até aos 5:30, depois até aos 5:12, 4º km voltei aos 5:27, no 5ºkm fiz a 5:11 e a partir de Santos estabilizei à volta dos 5:25.

Toda esta fase foi feita sempre a ultrapassar facilmente outros corredores e ia com o ego em alta. Ainda na direcção do Cais do Sodré cumprimentei pela primeira vez, os outros membros do blog que já corriam no sentido contrário. Sim, iam à minha frente.

Ao 8º km virei no sentido de Belém e fiz o primeiro abastecimento de água. Tento acelerar para uma média de 5:15 mas não consigo, ora porque ainda há muitos corredores em ritmo lento, ora porque qualquer coisa me dizia não estar capaz.

Assim sendo, vou mantendo o ritmo de 5:25 até à primeira passagem pelos Jerónimos, sempre passando outros corredores nalgumas acelerações que me continuam a desgastar. Reparo pelo caminho que existem muitos, mas muitos corredores estrangeiros; Espanhóis, Americanos, Franceses, Italianos, Suecas e evidentemente Quenianos. Esta prova está-se claramente a internacionalizar.

Aos 15 kms ingiro o gel, bebo água e fico à espera do efeito explosão para o último quartil da corrida. A correr na via central vejo a Sofia, o Rui e o Paulo a correr em sentido contrário. Era a segunda vez que nos cruzávamos. Abro os braços, lanço um grito e cumprimento os 3 com as palmas das mãos. Momento infantil e o auge da minha motivação ao longo da corrida.

Entretanto, afinal o efeito explosivo do gel não chegou. Viro na Cruz Quebrada para a direção de Belém, Nos últimos 5 kms vou sentindo-me cada vez mais cansado, e começo a ter a noção de que o calor está a fazer as suas vítimas. Se por um lado, eu tenho a noção de que não consigo acelerar e me está a ser difícil continuar a correr, por outro muitos corredores encontram-se prostrados a ser assistidos na beira da marginal.

Nos últimos 3 kms sentia o meu corpo cansado e a minha respiração ofegante. Encontro o Eduardo em dificuldades no músculo da perna, acompanho-o durante uns minutos e depois arranco. Mais à frente encontro o Joel que se esticou na primeira parte da corrida.

Mas custava-me muito cada passo que dava. Na minha cabeça pairava a dúvida se teria que parar para andar - que é algo que eu abomino, se uma pessoa vem para uma corrida é para correr, e é cumprir esse objectivo que nos dá a sensação de realização.

Mentalmente obrigava-me a pôr um pé à frente do outro, a inspirar a cada duas passadas e a expirar a cada duas passadas. Obrigava os meus braços a baloiçar um a um para ajudar a passada. Visualizava o próximo poste de iluminação e dizia-me “não desistas, não desistas - corre pelo menos só até ali”, depois “não desistas, não desistas - até aquele viaduto”, e “não desistas, não desistas - até apanhares àquele corredor que já vai a andar”…

Até que chegou o último quilómetro e à medida que ia vendo os portais de chegada ao longe, como que por magia o meu cérebro começou a incorporar e processar esta informação, os olhos arregalaram-se e as pernas ficaram mais leves. Comecei a acreditar que ia acabar a corrida e a acelerar aos poucos, até que nas recta da meta quase, quase que fiz um sprint. Acabei! Uf… Não desistir foi o mais parecido com um sentimento de vitória.

QUERO ÁGUA!!! Acabei de correr durante quase duas horas e meteram-me numa cerca com 30.000 pessoas em jeito de manada, não há espaço para alongar, a 1ª coisa que me dão é a medalha (para as fotos) e demoram eternidades para dar água, uma banana… Se alguém se sente mal aqui enlatado é o cabo dos trabalhos. Levo 20 minutos a sair da zona final para ir ter com os meus colegas.

A organização falhou tanto no inicio como no final que para o ano só cá venho, se vier para a festa.

Alonguei...


Devagar deitei-me de costas na relva, fechei os olhos, senti o calor da terra a irradiar-me as costas, a relva a massagar-me os gémeos, e invadiu-me uma sensação de superação.

8 comentários:

  1. Chiça, não sabia que tinha sido assim tão sofrida... Mas está feita! :)

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    1. Complicado... tenho de perder uns 3 kilos para correr melhor

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  2. Papel químico!
    Bom, tirando os tempos de passagem, mais lentos para mim.
    Sobre a organização não escrevo mais, já me desgastou na corrida.
    Mas está feita e aprende -se sempre qualquer cousa.
    Para o ano...só se for para ver se arranjo melhores recordações da prova.
    Eu também tenho que perder 3 kg para correr melhor...de cada vez:-(
    Abraço

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    1. É verdade... privilegiam as massas populares e não a essência... A corrida. Obrigado.

      Abç

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  3. Já tinha essa opinião desta prova, para além da logística para lá chegar, a confusão inicial a fintar os atletas da mini e depois o afunilar da multidão no final. Em termos de prova-festa, acho que a da Ponte Vasco da Gama funciona um bocadinho melhor, apesar de terminarmos a correr em empedrado.
    De resto, está feita! Agora vai lá correr um trailzinho que quero ler a crónica. :)
    Bons treinos!

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    1. Curiosamente tive dificuldades em encontrar sensações nova para descrever no texto, como se as corridas de estrada começassem a ser iguais.

      Lá para os idos de Abril, se tudo correr bem, deves ter aqui uns textos sobre trails :):):)

      Obrigado e boas corridas

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  4. A tua descrição está excelente.
    Custou mas no fim, sensação de superação mais uma vez!
    Bons treinos! :)

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    1. Obrigado Sofia :)

      Pena ter te perdido no maralhal da partida.

      Beijinhos

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