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domingo, 31 de agosto de 2014

A Passadeira - Um sonho numa tarde de Verão


 
Estava no ginásio, a remoer no fígado a contrariedade da pubalgia pela 496ª vez, tinha acabado de fazer 20 minutos de bicicleta fixa, sem carga para não forçar a lesão, e olho para a passadeira, sim aquela onde tinha aprendido a correr - Será que posso fazer 10 minutos de marcha? Não faz mal à pubalgia, portanto posso!

E em vez de ir fazer musculação aos braços e aos peitos, resolvi entregar-me àquela máquina cardio. Subi para o tapete, iniciei o programa e comecei a andar de com o olhar pregado no espelho que ocupa toda a frente do ginásio. Olhos nos olhos comigo mesmo enfrentando as minhas derrotas e vitórias, punha um pé à frente do outro num ritmo monótono que me adormecia os sentidos neste mundo e os acordava no outro.

E facilmente visualizei um trilho que submergia num quadro impressionista, onde uma colunata de troncos emergia  e suportava um copa que servia de filtro solar, e onde vários tons de castanho, verde e amarelo se misturavam numa tela com pinceladas apaixonadas.

Ouvi um chilrear de um melro, depois outro e mais um, até se tornarem num coro de pássaros, que aqui e ali cantavam uma sinfonia que competia em virtuosismo com os melhores solos de violino criados por Vivaldi.

E pelas minhas narinas, já não passava o ar artificial do ginásio, mas sim uma brisa que me enche de nostalgia, o cheiro a terra molhada, a geosmina.

Os  meus pés deixaram de sentir o tapete de borracha automovido, para calcarem um caminho ponteado por pedrinhas que cedia a cada passada.



E tudo isto se enredou em mim, todos os meus sentidos já estavam noutro lado, sentia-me livre e decidi começar a correr...

Mas não posso, estou lesionado e só iria agravar a pubalgia. Abri os olhos, vi-me ao espelho, parei a máquina e sai de rompante... tinham passado 27 segundos.

Tenho mesmo de me pôr bom para voltar a correr.

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