Eram 4h45m quando o despertador
tocou. Tinha dormido pouco mais de quatro horas, mas tinham parecido apenas
quatro minutos. Tinha chegado o dia do Lisboa Triathlon, algo que estava no meu
horizonte há bastante tempo. Há tempo demais. Mas há objectivos que não podem
ser apressados e este era um deles. Tinha de chegar na altura certa. 2 de Maio
de 2015 era o dia.
Na véspera tinha ficado já tudo
pronto. A bicicleta já estava no carro, o saco já estava fechado e o que havia a
fazer nessa manhã estava já organizado. Ainda não eram 6h e já estava
no carro a caminho do Parque das Nações. Mal podia esperar por lá chegar e
entrar num ambiente único.
A chegada ao Pavilhão de
Portugal foi fantástica. Aquela pala de Siza Vieira albergava mais de um milhar
de bicicletas e o espaço parecia ter sido desenhado à medida para servir de
parque de transição para um triatlo. Sem pressas, a olhar para tudo, a absorver
tudo e a apreciar o momento, encaminhei-me para o meu espaço. Pela primeira vez
tinha um espaço reservado para mim, com o meu nome em grande, bem em destaque.
Eram 6h40, tinha todo o tempo do mundo. Preparei tudo ao pormenor, sapatos
aqui, ténis ali, capacete virado para cima, óculos lá dentro, etc, etc. Ao
mesmo tempo ia olhando em meu redor. Espanhóis - muitos -, ingleses, alemães,
irlandeses... Portugueses eram poucos, mas ali a nacionalidade era o menos
importante. Íamos todos ao mesmo. Com tempo de sobra quase me custou sair
daquele ambiente do parque de transição, mas tinha de ser. Deixei o saco no
bengaleiro e encaminhei-me para a zona da partida da natação. Eram cerca de
7h20m e já havia gente na água para o aquecimento. Nervoso. Muito nervoso,
mesmo. Mal podia esperar pela minha vez. Por essa altura já era quase impossível
reconhecer quem quer que fosse. Todos de fato vestido, de touca na cabeça e
óculos de natação. Os rostos eram de concentração, por um lado, mas de euforia
por outro. 7h50m. Estava na hora.
A melhor natação de sempre
(Com este cenário, alguém duvida?) |
O aproximar da água foi o ponto
mais alto do meu nervosismo. Sem dúvida. Estava prestes a entrar da Doca dos
Olivais, a "casa" do Oceanário. Lá longe já iam os Elites e eu olhava
para o que tinha de fazer. Duas voltas. A montanha-russa de sentimentos da
última semana mantinha-se. "Vai correr bem. Vai correr bem o
tanas..." Não sei porquê, mas este turbilhão desfez-se assim que pus os
pés dentro de água. À medida de caminhava pela rampa do Clube Náutico ia
ficando mais calmo. A água não estava fria e consegui caminhar quase até ao ponto
de partida. Isso ajudou-me. Estranho... mas ajudou. 8h00m. Soa a buzina.Vamos
a isso.
Já uns nadavam e ainda eu tinha os pés no chão. "Deixa-os ir..." |
Os primeiros metros são uma
história já contada. Cá fico eu para trás, deixo-os ir à vontade enquanto tento
encontrar o meu ritmo. Demoro um pouco, mas lá me apercebo que aquilo era
uma piscina em ponto gigante, sem ondulação, sem corrente... e de água salgada.
E começo a apreciar. Do lado direito, à medida que respiro, vejo o Parque das
Nações a passar, a ficar para trás. E como isso ajudou. A existência de pontos de
referência deu-me noção de movimento; as torres do Vasco da Gama, o Pavilhão de
Portugal e, por fim, o Oceanário. Se, em 1998, aquando da Expo, me dissessem
que um dia iria nadar em seu redor, nem a sonhar acreditaria. Mas ali estava eu
a contorná-lo. E a coisa fluía bem. Estava a ser a minha melhor natação de
sempre, calma, tranquila, sem sobressaltos. E nem as pancadas que ia levando de
vez em quando me atrapalhavam. A primeira volta já estava, faltava a segunda, e
de novo as mesmas sensações. Desta vez um pouco mais de pancada, por ter sido
apanhado pelos que tinham partido cinco minutos depois, mas com calma tudo se
fez. 45m34s depois do tiro de partida estava de saída da água, feliz da vida. A
primeira etapa estava feita.
Nervoso... Menos Nervoso... Fantástico. Espectacular. Onde está a bicicleta? |
Apostar tudo no pedal
A bicicleta - sabia-o há muito
- seria o meu ponto forte. Podia estar aqui a diferença entre fazer uma boa
prova e uma grande prova. A minha táctica era dar o máximo aqui para ganhar uma
folga confortável a usar na corrida. O percurso é fantástico, muito bom,
perfeito para este género de competição. Uma zona no centro da prova, onde está
toda a gente, a apoiar, a tirar fotografias. Uma segunda zona ainda
urbana, mas já mais calma, e por fim a solidão da estrada. Aqui só se via
alcatrão e gente a andar de bicicleta. Era altura de acelerar. E foi fantástico
assumir esse objectivo, pedalar sem restrições, dar sempre o máximo. A primeira
parte plana foi excelente, quase a 40 km/h. A subida, inevitavelmente, fez-me
abrandar, mas na descida seguinte vinguei-me. Pelo meio deu para apreciar os
primeiros das Elites, Bruno Pais, José Estrangeiro e companhia. As bicicletas
deles... uau... Até o barulho é diferente. Vruum.... Não se ouve a corrente a
girar, nem os pedais, só o barulho do carbono a cortar o vento. A primeira
volta estava quase feita e, de regresso ao ambiente de festa, abasteci-me dos
bidons de água e lá vai disto. A segunda volta foi igual, assim como a
terceira. Só à quarta a coisa foi diferente. Principalmente no retorno... Quem
apareceu, quem foi? O vento! E logo agora que as pernas estavam moídas. Não
dava para manter a média que vinha a fazer e estes últimos 10 kms foram feitos
bem mais devagar. Sem crise, que o objectivo estava alcançado, terminar o
segmento de ciclismo em menos de 3h. (1ª volta - 41m53s; 2ª volta - 42m23s; 3ª
volta - 43m22s; 4ª volta - 46m37s) Total de 2h56m.
Início, meio e fim! |
A incógnita da corrida
O objectivo final... |
E eis que estava de volta ao
Parque. A transição agora foi mais rápida. À entrada para o ciclismo tinha
gasto 3m10s; agora 1m38s chegaram, e isto enquanto ouvia os berros do Ricardo a
ecoarem pela pala do Pavilhão de Portugal. O Pedro também por lá andava, ambos
de máquinas em punho, a tentar registar a coisa para posteridade. Agora era
altura de correr. E se no ciclismo podia estar a minha salvação, aqui podia estar
a minha perdição. Nas últimas semanas tinha-se desenhado um objectivo na minha
mente que ia além de terminar a prova. Naqueles momentos bons perguntava-me se
não conseguiria despachar este Half-Ironman em menos de 6 horas. Isso ia
saber-se agora. Quando comecei a correr olhei para o relógio e ele marcava
3h48. Tinha 2h12 para fazer a meia-maratona. Sabia que era possível, mas não
podia relaxar.
Começar a correr é sempre
estranho. Corre-se a um ritmo bom, mas os pés estão muito pesados. E essa
factura paguei-a bem cara muito cedo. Assim que saí do passadiço de madeira,
apanhei o piso empedrado e fugiu-me o pé para uma ameaça de entorse.
"Uff" pensei..., mas pensei demais. Enquanto suspirava por ter
escapado a uma lesão a 18 kms da meta, eis que não levantei o pé direito o
suficiente e ele embateu numa qualquer pedra levantada. Vi o chão aproximar-se
rápido demais e só tive tempo de colocar as mãos à frente. Estava furioso. Mais
que magoado, estava furioso. À minha volta via gente sem saber o que fazer.
Queriam ajudar-me, mas por outro lado não me queriam tocar. Eu não queria que
me tocassem. Queria levantar-me sozinho. Depressa caí, depressa me levantei. E
vai de voltar a correr. "Força! Fuerza! Vamos!", ouvia por ali
enquanto avaliava os danos. Mãos e punhos arranhados e joelho a doer. Olhei
para baixo e vi as marcas do encontro com a calçada. Ao primeiro abastecimento
lavei as mãos o melhor que consegui e tentei não pensar mais no assunto. Tinha
quilómetros para fazer. O resto da primeira volta foi tranquila, mas aos 3,5
kms acabei por ter de andar um pouco. As pernas estavam a ficar cansadas. Tinha
encontrado o "muro". Mas tinha de o enfrentar. Reforcei o organismo
com gel e água e recomecei a correr, mas a segunda volta não foi melhor que a
primeira. O Joel que o diga, que me apanhou naquela que foi, talvez a minha
pior fase, em que estava bem cansado. Mas feitas as duas primeiras voltas as
forças voltaram. Voltei a olhar para o relógio e só tinha passado 1h. Tinha
ainda 1h12m para as duas voltas que faltavam. Ser sub 6h era um objectivo cada
vez mais alcançável. Aumentei então um pouco o ritmo. Defini os meus pontos de
paragem, junto aos abastecimentos, para recuperar forças e hidratar, mas quando
corria, o ritmo era mais alto. E quando iniciei a última volta... uau... que
sensações. Faltavam cinco quilómetros. Cinco quilómetros apenas. E como me
diverti nesta última volta. Absorvi cada momento, em especial aquele em que me
cruzei com um espanhol que tinha encontrado no chão - ironia das ironias - um
boneco do IronMan, o herói da Marvel. Ele ia em êxtase. E eu estava lá perto.
Estava a chegar à meta. 5h54m34s - é este o tempo oficial - depois de ter dado
as primeiras braçadas, com 110 kms feitos, estava a cruzar a meta do Lisboa
Triathlon. Sou Half-Ironman. Quem diria...
Parabéns pela conquista!
ResponderEliminarSe um triatlo fosse fácil, todos o fariam :)
As dificuldades aparecem sempre das formas que não imaginamos, mas com mais ou menos dificuldade conseguiste ultrapassá-las, com a tua força de vontade!
Abraço
Muitos Parabéns, Rui!!!
ResponderEliminarRui... só me apetece dar-te um granda abraço.
ResponderEliminarTenho tanta pena de não ter estar lá.
Foi o maior feito desportivo que vi alguém fazer
muito orgulho em ti
Abç