Há dias assim. Era manhã e era um
daqueles dias que não me apetecia fazer nada. O meu corpo parecia feito de gelatina
e ao final do dia tinha uma corrida tão dificil para fazer... suspirei... como
é que conseguiria? A verdade é que eu adoro trails, confesso que adoro, mas
sinto sempre uma ansiedade na partida.
À hora combinada apanhei o Pedro em casa e há medida que e fomos navegando pelo IC19 para o ponto de recolha do Eduardo, o humor foi ganhando asas a cada golo do Benfica... está quase...
São João das Lampas recebeu-nos
com um final de tarde magnifico, com o sol a acariciar as papoilas e os cardos
que caracterizavam aqueles baldios e abraçava-nos com um calor confortável.
Cumprimentámos os amigos do
costume e levantamos os dorsais, protegemos a senha destacável da sopa (Muito
Importante), deslocamo-nos para a partida, vimos outros tantos habitués,
incluindo um casal de bloggers e... partida.
Comecei a corrida desanimado,
pois pese embora o ritmo dos 3 primeiros kms fosse rápido (cerca dos 5' ao km)
foi feito em alcatrão por entre o casario que rodeava a vila. Afinal eu vim
para a terra! Senti uma pontada em baixo no rim do lado direito. Era uma dor de
burro estranha, vou chamar-lhe dor de mula, que me acompanhou até à entrada da
primeira rampa de trilhos onde toda a gente parava de correr (que alivio). Foi
o tempo de refazer os objectivos desta corrida, já não vai dar para fazer
grandes tempos, portanto o melhor é aproveitar a experiência.
Deixei o Pedro ir à sua vida, disse "Pedro vai embora que eu já te apanho na sopa!" e ele como menino bem mandado, obedeceu.
Foi o tempo de passar por uma ponte romana, ver aqueles prados iluminados pela crepuscular luz, apertar os atacadores, passar muito tempo atrás da Miss Asics (a ver onde é que ela punha os pés), a saltar por rios (experiencia nova adorei), descidas técnicas, apertar os atacadores, passar por um lago espelhado (arrgh afinal é uma ETAR, que pivete), descer em direcção ao mar, apertar os atacadores (ups, o primeiro que responder quantas vezes apertei os atacadores nos comentários ganha um pastel de nata) até que...
Heis que perdi a virgindade nas descidas de ravinas para as praias, aquilo é que são descidas técnicas, em bicos de pés, de pedra em pedra a evitar cair por ali abaixo mas cheguei à areia são e salvo. Correr naquela areia não é nada agradavel mas também é uma experiencia nova. Saltando umas pocinhas e por cima dum riacho chega-se ao fim da praia ao que se segue...
A saida da praia era feito por um
trilho minusculo, enlameado quase na vertical que se subia agarrado às
raizes dos arbustros e puxando o corpo
para cima. Se derrapasse morria lá em baixo. Bom, não caí.
Mais uns kms feitos nas falesias e nova descida para outra praia, mas desta vez já está na hora de ligar os farois que está a ficar escuro. Vamos lá estrear o frontal, olha e não é que funciona?
Mais uns kms feitos nas falesias e nova descida para outra praia, mas desta vez já está na hora de ligar os farois que está a ficar escuro. Vamos lá estrear o frontal, olha e não é que funciona?
Na escarpa de saida desta praia não sei o que
me deu, parecia inspirado pela metade superior do sol que mergulhava lentamente
no oceano, subi a ribanceira quase vertical a correr e aos saltos como se literalmente
fosse uma cabra montesa, ultrapassava facilmente os atletas que estavam à minha
frente. A meio da subida pensei: 'quando chegar lá a cima vou estar todo rebentado
e todos estes comparsas me vão ultrapassar de novo'... e assim foi
ultrapassaram-me todos, mas a verdade é que me diverti à grande a subir a
encosta.
Chegado lá acima, e como fadas
brincando no crepusculo, dançavam particulas prateadas à frente dos meus olhos,
brincando comigo, lançando-me num mar de interrogações... Seria que do cansaço
já via os meus medos ou os meus sonhos a materializar-se à minha frente? ah
eram goticulas de humidade, da maresia a voar à minha volta.
Tinha feito 15 kms, já não se via
qualquer resto de luz solar. Um a um fui ultrapassando os corredores do grupo
até que dei por mim só, correndo só, completamente só perdido num canavial na
noite negra a meio caminho de volta. E se me acontecesse alguma coisa? e se
torcesse um pé? e se partisse uma perna? ninguém me ajudaria... eu sei que
deveria pensar nisso mãe... sim, mãe, tens razão mã.
Mas a verdade é que estava em paz.
Estava comigo, com as minhas goticulas e com as minhas estrelas. Todas me acompanhavam nesta paz. Trevas por fora, luz
por dentro. Só e sem medo... Sorri.
Pouco a pouco, passo a passo
fui-me aproximando de uma corredora, e quando me aproximo dos calcanhares reconheço
a Miss Asics que também ia só no longo
caminho de retorno. Ao ir atrás dela reparo que a minha luz tem mais potencia
que a dela o que causa a projecção da sombra dela para a sua frente
impossibilitando a progressão normal. Passo a correr ao lado dela e digo, assim
"ilumina-se melhor" e ela sorriu e agradeceu. Fomos assim numa
cumplicidade silenciosa durante 2 kilometros até uma feerica ponte romana
iluminada por tochas.
Os últimos kms foram feitos por
um casario mal iluminando que retirava alguma da magia de correr à noite, até
que entramos na vila e num sprint final, à meta.
Depois dos alongamentos
obrigatórios, finalmente a verdadeira razão pela qual eu vim a esta corrida,
eu e o Pedro dirigimo-nos ao centro recreativo e cultural, passámos o salão de
baile, saimos, entramos na cozinha dirigimo-nos à sopeira e recebemos uma merecida e saborosa sopa de
couve lombarda.
Adorei a prova, adorei correr sem
stresses de tempo, o pôr do sol, a descida da praia, as falésias, correr
sozinho à noite e a sopa claro. Só faltou a bifana a acompanhar. Para o ano há
mais!
Em resumo, foste feliz nas Lampas e isso diz tudo :)
ResponderEliminarUm abraço
É isso mesmo! Foi um aproveitar de todas as paisagens, cenários, sons, perfumes e experiencias.
EliminarAbração João e boas corridas
O cenário da chegada à praia da samarra, a sua beleza natural e a escalada de saída, é algo que vai ser dificil sair da minha memória nos próximos tempos...
ResponderEliminarUma experiencia sem dúvida inesquecível. A descida, a praia, o rio e a subida são um anfiteatro natural para ver o pôr do sol. Hei-de lá voltar!
EliminarPor acaso no texto não contei a cena surreal que sucedeu quando passei pela Praia. Um Pseudo-Macho-Alpha de peito feito decide marcar o território na água e toda a gente começa a bater palmas (era muita gente dado que na descida e subida como é feito a passo acumula). O Homem envergonha-se e volta para trás... Havia sítios melhores.:)
Abç
"o humor foi ganhando asas a cada golo do Benfica..." quase que abandonei a leitura neste ponto, só para que saibas! :P Não fosse esta uma temática interessante e... :)
ResponderEliminarOlha que esse truque de "parar para atar os atacadores" já é muito antigo! Mas eu percebo. :)
Dessa prova lembro-me sobretudo da chegada à praia, já no crepúsculo... Trail ao anoitecer têm um encanto especial. Ainda bem que gostaste.
Beijinhos
:) :) :)
ResponderEliminarEstais a insinuar e a levantar falsos testemunhos sobre a possibilidade de eu atar os atacadores a fim de parar de correr e respirar melhor? Mulher de pouca fé!
Quanto muito podiam-me acusar de os apertar mal a fim de...
Toda a gente se lembra da chegada à praia. É algo de arrebatador. Sim adorei. Próxima etapa São Mamede!
Beijinhos