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terça-feira, 12 de maio de 2015

Trilhos de São João das Lampas


 
Há dias assim. Era manhã e era um daqueles dias que não me apetecia fazer nada. O meu corpo parecia feito de gelatina e ao final do dia tinha uma corrida tão dificil para fazer... suspirei... como é que conseguiria? A verdade é que eu adoro trails, confesso que adoro, mas sinto sempre uma ansiedade na partida.

À hora combinada apanhei  o Pedro em casa e há medida que e fomos navegando pelo IC19 para o ponto de recolha do Eduardo, o humor foi ganhando asas a cada golo do Benfica... está quase...

São João das Lampas recebeu-nos com um final de tarde magnifico, com o sol a acariciar as papoilas e os cardos que caracterizavam aqueles baldios e abraçava-nos com um calor confortável.
Cumprimentámos os amigos do costume e levantamos os dorsais, protegemos a senha destacável da sopa (Muito Importante), deslocamo-nos para a partida, vimos outros tantos habitués, incluindo um casal de bloggers e... partida.
Comecei a corrida desanimado, pois pese embora o ritmo dos 3 primeiros kms fosse rápido (cerca dos 5' ao km) foi feito em alcatrão por entre o casario que rodeava a vila. Afinal eu vim para a terra! Senti uma pontada em baixo no rim do lado direito. Era uma dor de burro estranha, vou chamar-lhe dor de mula, que me acompanhou até à entrada da primeira rampa de trilhos onde toda a gente parava de correr (que alivio). Foi o tempo de refazer os objectivos desta corrida, já não vai dar para fazer grandes tempos, portanto o melhor é aproveitar a experiência.

Deixei o Pedro ir à sua vida, disse "Pedro vai embora que eu já te apanho na sopa!" e ele como menino bem mandado, obedeceu.

Foi o tempo de passar por uma ponte romana, ver aqueles prados iluminados pela crepuscular luz, apertar os atacadores, passar muito tempo atrás da Miss Asics (a ver onde é que ela punha os pés), a saltar por rios (experiencia nova adorei), descidas técnicas, apertar os atacadores, passar por um lago espelhado (arrgh afinal é uma ETAR, que pivete), descer em direcção ao mar, apertar os atacadores (ups, o primeiro que responder quantas vezes apertei os atacadores nos comentários ganha um pastel de nata) até que...
 
 
 
 
 
 

Heis que perdi a virgindade nas descidas de ravinas para as praias, aquilo é que são descidas técnicas, em bicos de pés, de pedra em pedra a evitar cair por ali abaixo mas cheguei à areia são e salvo. Correr naquela areia não é nada agradavel mas também é uma experiencia nova. Saltando umas pocinhas e por cima dum riacho chega-se ao fim da praia ao que se segue...
A saida da praia era feito por um trilho minusculo, enlameado quase na vertical que se subia agarrado às raizes  dos arbustros e puxando o corpo para cima. Se derrapasse morria lá em baixo. Bom, não caí.

Mais uns kms feitos nas falesias e nova descida para outra praia, mas desta vez já está na hora de ligar os farois que está a ficar escuro. Vamos lá estrear o frontal, olha e não é que funciona?
 Na escarpa de saida desta praia não sei o que me deu, parecia inspirado pela metade superior do sol que mergulhava lentamente no oceano, subi a ribanceira quase vertical a correr e aos saltos como se literalmente fosse uma cabra montesa, ultrapassava facilmente os atletas que estavam à minha frente. A meio da subida pensei: 'quando chegar lá a cima vou estar todo rebentado e todos estes comparsas me vão ultrapassar de novo'... e assim foi ultrapassaram-me todos, mas a verdade é que me diverti à grande a subir a encosta.
Chegado lá acima, e como fadas brincando no crepusculo, dançavam particulas prateadas à frente dos meus olhos, brincando comigo, lançando-me num mar de interrogações... Seria que do cansaço já via os meus medos ou os meus sonhos a materializar-se à minha frente? ah eram goticulas de humidade, da maresia a voar à minha volta.
Tinha feito 15 kms, já não se via qualquer resto de luz solar. Um a um fui ultrapassando os corredores do grupo até que dei por mim só, correndo só, completamente só perdido num canavial na noite negra a meio caminho de volta. E se me acontecesse alguma coisa? e se torcesse um pé? e se partisse uma perna? ninguém me ajudaria... eu sei que deveria pensar nisso mãe... sim, mãe, tens razão mã.
Mas a verdade é que estava em paz. Estava comigo, com as minhas goticulas e com as minhas estrelas. Todas me  acompanhavam nesta paz. Trevas por fora, luz por dentro. Só e sem medo... Sorri.
Pouco a pouco, passo a passo fui-me aproximando de uma corredora, e quando me aproximo dos calcanhares reconheço a  Miss Asics que também ia só no longo caminho de retorno. Ao ir atrás dela reparo que a minha luz tem mais potencia que a dela o que causa a projecção da sombra dela para a sua frente impossibilitando a progressão normal. Passo a correr ao lado dela e digo, assim "ilumina-se melhor" e ela sorriu e agradeceu. Fomos assim numa cumplicidade silenciosa durante 2 kilometros até uma feerica ponte romana iluminada por tochas.
Os últimos kms foram feitos por um casario mal iluminando que retirava alguma da magia de correr à noite, até que entramos na vila e num sprint final, à meta.
Depois dos alongamentos obrigatórios, finalmente a verdadeira razão pela qual eu vim a esta corrida, eu e o Pedro dirigimo-nos ao centro recreativo e cultural, passámos o salão de baile, saimos, entramos na cozinha dirigimo-nos à sopeira e  recebemos uma merecida e saborosa sopa de couve lombarda.
Adorei a prova, adorei correr sem stresses de tempo, o pôr do sol, a descida da praia, as falésias, correr sozinho à noite e a sopa claro. Só faltou a bifana a acompanhar. Para o ano há mais!

6 comentários:

  1. Em resumo, foste feliz nas Lampas e isso diz tudo :)

    Um abraço

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    1. É isso mesmo! Foi um aproveitar de todas as paisagens, cenários, sons, perfumes e experiencias.

      Abração João e boas corridas

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  2. O cenário da chegada à praia da samarra, a sua beleza natural e a escalada de saída, é algo que vai ser dificil sair da minha memória nos próximos tempos...

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    1. Uma experiencia sem dúvida inesquecível. A descida, a praia, o rio e a subida são um anfiteatro natural para ver o pôr do sol. Hei-de lá voltar!

      Por acaso no texto não contei a cena surreal que sucedeu quando passei pela Praia. Um Pseudo-Macho-Alpha de peito feito decide marcar o território na água e toda a gente começa a bater palmas (era muita gente dado que na descida e subida como é feito a passo acumula). O Homem envergonha-se e volta para trás... Havia sítios melhores.:)

      Abç

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  3. "o humor foi ganhando asas a cada golo do Benfica..." quase que abandonei a leitura neste ponto, só para que saibas! :P Não fosse esta uma temática interessante e... :)
    Olha que esse truque de "parar para atar os atacadores" já é muito antigo! Mas eu percebo. :)
    Dessa prova lembro-me sobretudo da chegada à praia, já no crepúsculo... Trail ao anoitecer têm um encanto especial. Ainda bem que gostaste.
    Beijinhos

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  4. :) :) :)
    Estais a insinuar e a levantar falsos testemunhos sobre a possibilidade de eu atar os atacadores a fim de parar de correr e respirar melhor? Mulher de pouca fé!
    Quanto muito podiam-me acusar de os apertar mal a fim de...
    Toda a gente se lembra da chegada à praia. É algo de arrebatador. Sim adorei. Próxima etapa São Mamede!
    Beijinhos

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