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terça-feira, 28 de janeiro de 2014

CORRER À CHUVA

Depois de ter alta da entorse para correr, quis o destino que a primeira vez que o fizesse com os restantes elementos do blog decorresse num dia em que literalmente não parou de chover.


De tão desabituado que estava das rotinas de correr à hora de almoço, que me esqueci consecutivamente dos óculos (habituei-me a eles com sol ou chuva) - voltei ao balneário - do chapéu (aquece o corpo) - voltei ao balneário - do cartão para sair e entrar no edifício - voltei ao balneário… os meus companheiros esperavam-me debaixo das arcadas do edifício com um olhar entediado e reprovador.

Lá fora, as pessoas vão atravessando a rua todas agasalhadas com sobretudos, em passitos de corrida inibidos, dobradas sobre si mesmo com medo do céu, da chuva e do chão… e nós em t-shirt e calções.

Abandonámos a protecção das arcadas e o céu cinzento recebe-nos chorando copiosamente, de alegria pelo meu regresso só pode, e penso – vão ser 40 minutos à chuva, tal e qual como quando era criança. A dez metros de nós, agasalhada e debaixo um chapéu-de-chuva, a T. olha para nós em traje de corrida e sorri de forma sarcástica.

E de repente mergulhamos numa cascata ininterrupta durante 8 kms…

Corri apenas com o objectivo de fazer 8 kms, não liguei a ritmos nem a tempo, simplesmente deixei-me ir ao ritmo do meu corpo tal como a água que fluía avenida abaixo. Lado a lado com o Ricardo cheguei ao Campo Grande, despreocupado, nem sequer franzia os olhos para ver melhor com a chuva. Debaixo das árvores caiam os pingos grossos, e o Ricardo vira-se para mim, com um sorriso escarrapachado na cara, e diz: “Adoro correr à chuva!”

Três voltas ao Jardim depois, sentia a roupa a pesar mais três quilos, os pés encharcados, a cada passada sentia que o calcanhar levantava lama que ia aterrar no gémeo simétrico. Mas sentia-me bem, sentia-me confiante, sentia-me feliz.

Só há uma forma de correr à chuva, é perder o medo do frio - que vai desaparecer à medida que aquecemos, perder medo de cair ou escorregar numa poça, e principalmente perder o medo do que as pessoas pensam de nós – os maluquinhos das corridas. E aí podemos falar, rir, beber água da chuva, correr de costas direitas e cabeça levantada…

É entregarmo-nos totalmente á natureza, não só à que nos rodeia, mas também à nossa própria natureza, porque também nós somos animais, somos mamíferos que até há poucos milhares de anos feriamos presas e depois corríamos kms atrás delas à espera que se cansassem  vivíamos e experienciamos as estações, com os seus ciclos de luz e calor.



Hoje em dia criamos uma barreira virtual entre nós e a natureza, colocamo-nos a nós próprios num pedestal tão superior, que esquecemos que, no fundo, somos parte dela. Aconteça o que acontecer, também nós somos filhos da Terra, do Sol e da Lua, que regula as marés. Para correr à chuva é preciso transpor esta barreira e quando isso acontece somos livres…

2 comentários:

  1. E eu também passei a gostar! Ainda me lembro do primeiro treino à chuva, ou melhor, debaixo de um temporal! Para corajosos... É uma sensação boa de liberdade!
    Ainda hoje senti os meus gémeos salpicados de água e lama pelo ténis do pé simétrico, tal e qual como descreves. :)

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