É errado dizer que uma
maratona, seja ela qual for, se resume aos 42,195 quilómetros do
percurso. A prova não começa no tiro de partida nem acaba quando se
cruza a meta. Nada disso. Aliás, muito longe disso.
A preparação para esta
Maratona de Lisboa 2014 começou há cerca de um ano, dias depois de
terminar a minha primeira aventura na distância, na edição de
estreia da prova. Se da primeira vez tudo tinha sido novo e
desconhecido, começava a fazer planos para esta segunda viagem, como
se uma primeira experiência fosse o garante de sucesso. Como estava
enganado.
O dia 5 de outubro
pairava na minha mente há vários meses. A agenda de treinos estava
feita, o equipamento também estava escolhido há muito. Tinha tudo
preparado para evitar dissabores no dia da prova. Os erros que havia
a cometer tinham sido feitos há um ano, na estreia na prova. Agora
era altura de elevar a fasquia. O objetivo já não era apenas chegar
ao fim, agora queria algo mais.
O "gangue" da Maratona, segundos antes do tiro de partida |
Quando caminhava no meio da multidão
que se dirigia para a linha de partida em Cascais, a mais de 40
quilómetros do Parque das Nações, em Lisboa, pensava em tudo o que
tinha de fazer. Começar com calma, estabelecer um ritmo confortável,
poupar as pernas e as forças. Hidratar-me bem, alimentar-me ainda
melhor e garantir que chegaria ao último terço da prova ainda em
condições de disputar o meu objetivo principal – logo a seguir ao
de terminar a prova, claro –, bater o meu recorde pessoal na
distância, de 4h22m.
A vantagem de uma
Maratona é o tempo que se dispõe para tudo. Não há pressas. Não
existe o “stress” das provas de 10 quilómetros – ou até das
meias-maratonas – em que todos tentam arrancar o mais depressa
possível para começar de imediato a ganhar segundos. Aqui não. Os
primeiros quilómetros, feitos ainda em Cascais, foram percorridos
com calma e tranquilidade. Entre os mais de três mil participantes
não era difícil encontrar amigos de aventura. Cumprimentos, votos
de boa sorte, abraços entre passadas, sorrisos. Existe de tudo ali.
Não é uma corrida. É uma aventura partilhada.
Foi com esse espírito
que fiz a primeira dezena de quilómetros, uma distância tranquila e
normal, com o cansaço ainda longe. Havia, porém, algo que começava
a ocupar-me o pensamento. Uma dor, que já deixara de ser ligeira, no
joelho esquerdo. Não era novidade. Já tinha marcado presença num
ou outro treino para esta Maratona, mas havia sempre a esperança que
ela metesse folga neste dia da Implantação da República
Portuguesa. Não meteu. E a partir da marca dos 10 quilómetros
passou a ser a minha companheira que quase me levou à perdição.
Quando cheguei à marca
de meia-maratona, tinha já a certeza que o único objetivo que podia
ter em mente era o de chegar à meta. Sim, matematicamente ainda era
possível fazer melhor que a marca de 2013. Bastava fazer uma segunda
meia-maratona igual à primeira – 2h09m - e estava “ganho”.
Mas isso já era um sonho impossível. As dores já não eram apenas
companheiras de corrida, mas sim quem determinava o meu ritmo. Os
amigos que trouxera comigo nesta aventura já estavam todos bem mais
à frente, pois nisto das corridas, como na vida, amigo não empata
amigo. Restava-me fazer os mais de 20 quilómetros que faltavam numa
luta intensa comigo mesmo. Ao quilómetro 24 assumi a primeira
derrota quando parei de correr e comecei a caminhar. Toda a
preparação dos treinos, da logística para uma prova deste género,
tinham ido pelo cano e era altura de mudar a tática.
Eu e o Gregor, da Alemanha |
Aproveitando a boleia, olhei em frente e
voltei a fazer-me à estrada ao lado daquele alemão, já muito mais
experiente que eu nestas andanças das maratonas. Estava de visita a
Lisboa de propósito para esta prova que, por sinal, estava a
correr-lhe muito mal. A preocupação dele já era só uma, chegar à
meta a tempo de voltar ao hotel, tomar banho, fazer as malas e estar
no aeroporto a horas de apanhar o avião de regresso a casa. Tudo o
resto era secundário. Ele só queria conseguir isso. E no meio de
tanto esforço e tantas dores, a conversa ajudou-nos. A mim, pelo
menos, ajudou. Gostei de ver o seu espírito positivo. A parte
desportiva não estava a correr pelo melhor, mas “isto é lindo”,
dizia ele, enquanto atravessávamos, ora a correr, ora a caminhar,
algumas das ruas mais históricas de Lisboa, locais pelos quais passo
tantas vezes que já nem reparo na beleza que tenho à porta de casa.
E como ele estava certo. Fazer o que nós estávamos a fazer numa das
cidades mais belas do mundo era, apenas e só, um privilégio e devia
ser aproveitado ao máximo.
E com isto tínhamos já
chegado ao km 32. Faltava apenas uma dezena de quilómetros e já
tinha decidido que, desse por onde desse, ia terminar a prova. O meu
(novo) amigo alemão, afinal ainda em pior estado que eu, acabaria
por ficar para trás à saída do Terreiro do Paço, deixando-me
novamente sozinho na minha luta. As dores na perna esquerda
continuavam, mas não me iam impedir de concretizar o único objetivo
possível. As várias metas voltaram ao horizontes. “Só até ali à
frente. Só até ali à frente.” Disse para mim várias vezes e
assim ia percorrendo quilómetro atrás de quilómetro. E o Parque
das Nações estava já ao alcance do olhar. O caminho para a meta
fez-se já num ambiente de festa. Quem já tinha acabado a prova –
e eram tantos – ficavam por ali a apoiar quem ainda corria, talvez
na esperança de darem um incentivo a alguma cara amiga, ou então
apenas porque sim, porque minutos antes alguém o tinha feito por
eles. O portal da meta estava mesmo ali à frente e para chegar lá
bastava colocar um pé à frente do outro. Tudo o resto era
secundário. O tempo que iria fazer – foi de 4h55m, já agora –
deixara há muito de ser importante.
A meta cruzou-se, a
medalha já está em casa, mas a Maratona de Lisboa deste ano ainda
não acabou. Se calhar nunca vai acabar. E não, não estou a falar
das dores na perna esquerda que ainda vou sentindo. Estou a falar da
experiência, da aprendizagem, do sofrimento. Tudo isso faz parte de
uma aventura como esta. Nunca vou esquecer esta minha segunda
maratona, tal como nunca vou esquecer a primeira. Mas, neste momento,
já estou a pensar na próxima. A minha próxima maratona já
começou. Só não sei é quando é o tiro de partida.
Muitos parabéns Rui, por uma Maratona conquistada com tanto esforço, a 2ª de muitas com certeza. Espero que essa dor no joelho tenha passado.
ResponderEliminarAquele abraço e força nessas corridas
Obrigado Carlos. O joelho ainda não está bom, mas para lá caminha. Agora precisa é de repouso, algo que não teve nas últimas semanas.
EliminarAb
Grande Rui, quando te vi ao km 20 a coxear temi pelo pior. Pensei que não chegasses ao fim. Mas com a tua força interior tiveste a coragem de não desistir. PARABÉNS!
ResponderEliminarParabéns Rui. E que tal a próxima (para te vingares), ser já dia 2 na Invicta? :)
ResponderEliminarAbraço e bons treinos.
Não, meu caro... isso é impossível
Eliminar1º porque não estava nos meus planos e uma prova desse género implica uma logística diferente.
2º porque estou em fase de repouso a nível de treinos para ver se isto do joelho passa de vez. e o repouso não é o melhor treino para uma maratona. além disso, duvido sinceramente que o joelho já esteja a 100% por essa altura. Se estiver a 90% já fico contente.
E eu que te ia dar na cabeça por já ter passado uma semana e nada...
ResponderEliminarBom post, e apesar de tudo, boa prova. Serviu de lição para o futuro, e foste Grande! És mais baixo que eu, mas ainda assim, Grande! :)
Espero acompanhar-te em 2015 para o regresso à distância. A ti e às outras lesmas JRR...
Parabéns!
Lá te (vos) espero!
EliminarAb