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segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Maratona, tão longe e ainda tão perto

É errado dizer que uma maratona, seja ela qual for, se resume aos 42,195 quilómetros do percurso. A prova não começa no tiro de partida nem acaba quando se cruza a meta. Nada disso. Aliás, muito longe disso.
A preparação para esta Maratona de Lisboa 2014 começou há cerca de um ano, dias depois de terminar a minha primeira aventura na distância, na edição de estreia da prova. Se da primeira vez tudo tinha sido novo e desconhecido, começava a fazer planos para esta segunda viagem, como se uma primeira experiência fosse o garante de sucesso. Como estava enganado.
O dia 5 de outubro pairava na minha mente há vários meses. A agenda de treinos estava feita, o equipamento também estava escolhido há muito. Tinha tudo preparado para evitar dissabores no dia da prova. Os erros que havia a cometer tinham sido feitos há um ano, na estreia na prova. Agora era altura de elevar a fasquia. O objetivo já não era apenas chegar ao fim, agora queria algo mais. 

O "gangue" da Maratona, segundos antes do tiro de partida
 Quando caminhava no meio da multidão que se dirigia para a linha de partida em Cascais, a mais de 40 quilómetros do Parque das Nações, em Lisboa, pensava em tudo o que tinha de fazer. Começar com calma, estabelecer um ritmo confortável, poupar as pernas e as forças. Hidratar-me bem, alimentar-me ainda melhor e garantir que chegaria ao último terço da prova ainda em condições de disputar o meu objetivo principal – logo a seguir ao de terminar a prova, claro –, bater o meu recorde pessoal na distância, de 4h22m.
A vantagem de uma Maratona é o tempo que se dispõe para tudo. Não há pressas. Não existe o “stress” das provas de 10 quilómetros – ou até das meias-maratonas – em que todos tentam arrancar o mais depressa possível para começar de imediato a ganhar segundos. Aqui não. Os primeiros quilómetros, feitos ainda em Cascais, foram percorridos com calma e tranquilidade. Entre os mais de três mil participantes não era difícil encontrar amigos de aventura. Cumprimentos, votos de boa sorte, abraços entre passadas, sorrisos. Existe de tudo ali. Não é uma corrida. É uma aventura partilhada.
Foi com esse espírito que fiz a primeira dezena de quilómetros, uma distância tranquila e normal, com o cansaço ainda longe. Havia, porém, algo que começava a ocupar-me o pensamento. Uma dor, que já deixara de ser ligeira, no joelho esquerdo. Não era novidade. Já tinha marcado presença num ou outro treino para esta Maratona, mas havia sempre a esperança que ela metesse folga neste dia da Implantação da República Portuguesa. Não meteu. E a partir da marca dos 10 quilómetros passou a ser a minha companheira que quase me levou à perdição.
Quando cheguei à marca de meia-maratona, tinha já a certeza que o único objetivo que podia ter em mente era o de chegar à meta. Sim, matematicamente ainda era possível fazer melhor que a marca de 2013. Bastava fazer uma segunda meia-maratona igual à primeira – 2h09m - e estava “ganho”. Mas isso já era um sonho impossível. As dores já não eram apenas companheiras de corrida, mas sim quem determinava o meu ritmo. Os amigos que trouxera comigo nesta aventura já estavam todos bem mais à frente, pois nisto das corridas, como na vida, amigo não empata amigo. Restava-me fazer os mais de 20 quilómetros que faltavam numa luta intensa comigo mesmo. Ao quilómetro 24 assumi a primeira derrota quando parei de correr e comecei a caminhar. Toda a preparação dos treinos, da logística para uma prova deste género, tinham ido pelo cano e era altura de mudar a tática.
Eu e o Gregor, da Alemanha
Se as dores eram fortes quando corria, maior intensidade ganharam quando caminhei. Solução... voltar a correr. E assim fiz. A meta passava a ser aquela ponte ali à frente, aquele posto de abastecimento, aquele semáforo. A maratona passou a ter muitas metas, e os 20 quilómetros que faltavam seria feitos por fases. Uma, porém, seria muito difícil, quase impossível de ultrapassar. À passagem pelo Cais do Sodré encontrava no percurso a primeira estação de Metro e o caminho mais rápido para a meta estava ali. Olhei para a entrada, já com uma garrafa de água na mão para o caminho, e pensei. E voltei a pensar. E enquanto pensava na rendição sinto um toque nas costas e oiço um incentivo em inglês. “Come on. Don't stop.” - “Vamos. Não pares.” Não era um amigo ou uma cara conhecida, era apenas um outro corredor a sofrer o mesmo que eu estava a sofrer, que adivinhara exatamente o que eu estava a pensar.
Aproveitando a boleia, olhei em frente e voltei a fazer-me à estrada ao lado daquele alemão, já muito mais experiente que eu nestas andanças das maratonas. Estava de visita a Lisboa de propósito para esta prova que, por sinal, estava a correr-lhe muito mal. A preocupação dele já era só uma, chegar à meta a tempo de voltar ao hotel, tomar banho, fazer as malas e estar no aeroporto a horas de apanhar o avião de regresso a casa. Tudo o resto era secundário. Ele só queria conseguir isso. E no meio de tanto esforço e tantas dores, a conversa ajudou-nos. A mim, pelo menos, ajudou. Gostei de ver o seu espírito positivo. A parte desportiva não estava a correr pelo melhor, mas “isto é lindo”, dizia ele, enquanto atravessávamos, ora a correr, ora a caminhar, algumas das ruas mais históricas de Lisboa, locais pelos quais passo tantas vezes que já nem reparo na beleza que tenho à porta de casa. E como ele estava certo. Fazer o que nós estávamos a fazer numa das cidades mais belas do mundo era, apenas e só, um privilégio e devia ser aproveitado ao máximo.
E com isto tínhamos já chegado ao km 32. Faltava apenas uma dezena de quilómetros e já tinha decidido que, desse por onde desse, ia terminar a prova. O meu (novo) amigo alemão, afinal ainda em pior estado que eu, acabaria por ficar para trás à saída do Terreiro do Paço, deixando-me novamente sozinho na minha luta. As dores na perna esquerda continuavam, mas não me iam impedir de concretizar o único objetivo possível. As várias metas voltaram ao horizontes. “Só até ali à frente. Só até ali à frente.” Disse para mim várias vezes e assim ia percorrendo quilómetro atrás de quilómetro. E o Parque das Nações estava já ao alcance do olhar. O caminho para a meta fez-se já num ambiente de festa. Quem já tinha acabado a prova – e eram tantos – ficavam por ali a apoiar quem ainda corria, talvez na esperança de darem um incentivo a alguma cara amiga, ou então apenas porque sim, porque minutos antes alguém o tinha feito por eles. O portal da meta estava mesmo ali à frente e para chegar lá bastava colocar um pé à frente do outro. Tudo o resto era secundário. O tempo que iria fazer – foi de 4h55m, já agora – deixara há muito de ser importante.
A meta cruzou-se, a medalha já está em casa, mas a Maratona de Lisboa deste ano ainda não acabou. Se calhar nunca vai acabar. E não, não estou a falar das dores na perna esquerda que ainda vou sentindo. Estou a falar da experiência, da aprendizagem, do sofrimento. Tudo isso faz parte de uma aventura como esta. Nunca vou esquecer esta minha segunda maratona, tal como nunca vou esquecer a primeira. Mas, neste momento, já estou a pensar na próxima. A minha próxima maratona já começou. Só não sei é quando é o tiro de partida.

7 comentários:

  1. Muitos parabéns Rui, por uma Maratona conquistada com tanto esforço, a 2ª de muitas com certeza. Espero que essa dor no joelho tenha passado.
    Aquele abraço e força nessas corridas

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    1. Obrigado Carlos. O joelho ainda não está bom, mas para lá caminha. Agora precisa é de repouso, algo que não teve nas últimas semanas.
      Ab

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  2. Grande Rui, quando te vi ao km 20 a coxear temi pelo pior. Pensei que não chegasses ao fim. Mas com a tua força interior tiveste a coragem de não desistir. PARABÉNS!

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  3. Parabéns Rui. E que tal a próxima (para te vingares), ser já dia 2 na Invicta? :)
    Abraço e bons treinos.

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    1. Não, meu caro... isso é impossível
      1º porque não estava nos meus planos e uma prova desse género implica uma logística diferente.
      2º porque estou em fase de repouso a nível de treinos para ver se isto do joelho passa de vez. e o repouso não é o melhor treino para uma maratona. além disso, duvido sinceramente que o joelho já esteja a 100% por essa altura. Se estiver a 90% já fico contente.

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  4. E eu que te ia dar na cabeça por já ter passado uma semana e nada...
    Bom post, e apesar de tudo, boa prova. Serviu de lição para o futuro, e foste Grande! És mais baixo que eu, mas ainda assim, Grande! :)
    Espero acompanhar-te em 2015 para o regresso à distância. A ti e às outras lesmas JRR...
    Parabéns!

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