Páginas

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Volta ao Palácio de Mafra - O meu primeiro (mini) Trail(ho)


Ah, a minha paixão platónica por trails...como eu desejava correr pela floresta, com javalis e veados (?!!?!?!?), ao som dos passarinhos, com as folhas secas a amortecerem as minhas passadas, o perfume da terra húmida a invadir-me as narinas e a purificar os pulmões... quiçá ao som de uma melodia celta tocada em gaita de foles...uma visão romântica desfeita à primeira experiência.

Qual a semelhança entre aprender a tocar gaita de foles e fazer o primeiro trail? A minha primeira aula de Gaita foi uma enorme tortura, onde fiz um esforço enorme no braço e nas costas para que saísse um som parecido a algo entre uma longa flatulência (desculpem senhoras, mas é a melhor comparação) e o som de um gato a ser torturado. E no final ia perdendo os sentidos de tanto soprar e inspirar... Bom, o meu primeiro trail também foi mais ou menos assim, vejamos, desde o inicio:

Tinha combinado fazer uma corrida com um amigo de outras anDanças, que não estando habituado a correr, pratica outros desportos e se encontra em melhor forma do que eu. Por desencontros de calendário só foi possivel marcar esta prova. Era uma corrida de 10 kms, que como a organização descreve "A escolha do percurso garante uma baixa exigência física o que permite que todos possam participar neste evento." Cheirava-me a 10 kms a trote numa estrada de terra batida pelos jardins à volta do Palácio.


Mas tinha que ser na manhã mais fria do ano? Estavam 8ºC quando chegámos ao palácio de Mafra e rapidamente começámos o aquecimento. Dispensámos o briefing inicial para continuar a aquecer...

Depois de levantar os dorsais, perdão as pulseiras e fomos para a partida. Neste campo a organização esteve impecável. Entretanto começo a reparar na quantidade de corredores à minha volta com ténis de trail, mas ténis bem gastos, de corredores bem experientes... mas afinal o que será que me esperava?

(Retrato do artista ainda com um conceito platónico dos Trails)

Partida...o Jardim do Cerco tinha o portão meio aberto, criando um entupimento imediato de corredores logo na partida. O Tiago diz-me para marcar o ritmo no início, Subimos pelo jardim, e entramos na tapada, saímos da estrada de terra batida para trilhos na montanha. Descemos por um vale, passamos por uma fossa para javalis, corro atrás do Tiago...

Neste cenário florestal vou aprendendo a fintar as silvas dos joelhos e os ramos da testa, e rapidamente aprendo que temos sempre que ter atenção onde pomos os pés. As estradas de terra batida facilmente criam regos com a água das chuvas propicias a entorses. Mas não acaba aqui: os caminhos/trilhos estão minadas: desvia de bosta de veado à esquerda. Salta por cima de monte de poia de javali à direita.

 Primeiro km em 5:35, o segundo a 4:51 e o terceiro a 4:33. Tudo ia bem.

Subidas a minha paixão... aquela sensação de que o peito está prestes a rebentar e a explodir e depois de a acabar sentir a ressurreição, a absolvição.

Bom primeira subida, primeiras vitimas...vejo primeiros corredores a começarem a andar e o Tiago a ir-se embora.

Segunda subida...morro, ressuscito...ultrapasso alguns corredores... terceira subida muito estreita serpenteando pela serra, morro, ressuscito...salto um riacho, atravesso uma ponte de madeira por baixo de uns sobreiro... sigo atrás de uma senhora... Reparo que à cerca de 10 minutos que olho incessantemente para os calcanhares dela, tal a necessidade de prestar atenção onde se põe os pés, por esta altura já deixei de ligar às silvas nas pernas e aos ramos a esbofetear-me a cara.

Segue-se um troço largo em terra batida, onde recupero a respiração, e de uma longuíssima subida (a 4ª) em lama e pedras onde não paro de correr mas reparo a meio caminho que estou a correr à mesma velocidade do pessoal que vai a andar... morro, morro...

Enfim, com grande esforço e sem fôlego chego ao topo... paro, respiro fundo e vejo um jipe do exército parado no cruzamento a fazer apoio à corrida... a sorrir pergunto-lhes se me dão boleia - a sorrir me respondem que "não". Pergunto "Já não existem mais subidas pois não?" - Mais uma vez sorriem, e apontam para a minha esquerda...

NÃAAAAAAAAAAAAAO!!!

O desespero toma conta de mim. Ergue-se à minha frente uma subida a 60%-70% de inclinação, que ninguém a faz a correr. Apercebo-me que nos próximos dias vão me doer tanto os músculos das pernas. Tinha acabado de subir quase 300 metros em 3 quilómetros.

 No topo finalmente recebo um pequeno prémio... uma bancada com alimentos e bebidas. E é lá que encontro um colega da caixa o Pedro Luzia, que me apanhou mesmo tendo partido 5 minutos atrasado. 2 minutos de conversa...sim porque nos trails, pelos vistos, os abastecimentos são para ser apreciados.

Pergunto à sra da bancada da laranjada se há mais subidas...sorri-me e responde-me que não. Alivio. Recomeçamos a correr, recomeçamos a subir… Bolas! Pouco tempo depois começam as descidas. Se em estrada nas descidas podemos relaxadamente alargar a passada, neste tipo de terreno temos que estar sempre atentos onde pomos os pés.

Pouco a pouco, os trilhos transformam-se em estradão, o estradão em macadame e finalmente o macadame em estrada… alargo a passada, acelero… sinto-me liberto daquela necessidade constante de ver onde estou a pisar.

Contorno o palácio e entro… uma sensação de vitória começa-se a apoderar de mim:

Sobrevivi  ao frio, a silvas e ramos,

Sobrevivi a poças de lama e a montes de bosta,

Venci montanhas,

Trepei subidas sem parar de correr, e descidas perigosas,

Cavalguei por vales e por fim o rei recebe-me no piso marmóreo do palácio…

Piso o degrau de acesso a um jardim interior, perco o contacto com o chão… rebolo na relva…

...as raparigas que me acompanhavam na altura oferecem-se logo para ver se está tudo bem… enfim, sobrevivo a tudo isto e no final dou um tralho no mármore… o mármore esse piso  traiçoeiro... o mármore malandro... completamente ridículo.

NOTA:  Primeira lição sobre tralhos - Cair sempre ao lado de raparigas.
Segunda lição sobre tralhos – Levantar sempre com ar de dignidade.
Terceira lição sobre tralhos - ... ainda não sei, mas há de haver certamente.

O fim da prova é uma recepção, com animação de época, à base de biscoitos, água, sumos e principalmente chá. Nunca me soube tão bem, no final de uma prova, um chá simples… quente. Organização impecável.

(Era só uma corridita não era? e foram só 9,5 kms)

À noite revejo a prova, sinto como se me tivessem deixado na tapada e durante 50 minutos, que passaram como se fossem 5, como se tivesse corrido simplesmente para tentar sobreviver, como se tivesse sido electrocutado.
(finalmente a chegada das "nossas" caminhantes)

Antes de adormecer, fecho os olhos, e se no inicio só vejo trilhos e buracos à minha frente, depois acalmo e finalmente vêem à mente as imagens das paisagens  por onde passei.


11 comentários:

  1. Ahah é mesmo isso tudo. :)
    O Raide à Tapada de Mafra foi a minha primeira Meia Maratona em trails, recomendo. É "acessível" (para trail...) ;)
    Boa recuperação!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. :):):) Obrigado, o Raide já está na minha cabeça para o ano. Afinal os 300 metros de subida não são nada comparados com as altimetrias de outros que tenho visto esta semana :p

      Eliminar
  2. Excelente post!!!
    Em 2014 a maioria do nosso Team vai participar em trails. Como sabes só participei ainda em um e fiquei a gostar :)
    Digo já que não penso fazer trails a menos de 6 minutos o km! Os trails são ir "devagar" e apreciar as paisagens :)
    Abraço

    ResponderEliminar
  3. Excelente, Zé! :)
    No meio do teu sentido de humor, quase que conseguimos pormo-nos nos teus pés e viver tudo o que descreves!
    No próximo ano também conto fazer um trail a sério, para saber como é.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigado.... Temos de combinar um grupo para fazer um trail a sério :)

      Eliminar
  4. Muito bem humorado e com conselhos muito válidos. Obrigado pelo momento de boa disposição que me proporcionou.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Muito obrigado Luisa. Isto não pode ser só correr que nós não somos profissionais. Há que apreciar a viagem :)

      Eliminar