Ah, a minha paixão platónica por trails...como eu
desejava correr pela floresta, com javalis e veados (?!!?!?!?), ao som dos
passarinhos, com as folhas secas a amortecerem as minhas passadas, o perfume da
terra húmida a invadir-me as narinas e a purificar os pulmões... quiçá ao som
de uma melodia celta tocada em gaita de foles...uma visão romântica desfeita à
primeira experiência.
Qual a semelhança entre aprender a tocar gaita de
foles e fazer o primeiro trail? A minha primeira aula de Gaita foi uma enorme
tortura, onde fiz um esforço enorme no braço e nas costas para que saísse um
som parecido a algo entre uma longa flatulência (desculpem senhoras, mas é a
melhor comparação) e o som de um gato a ser torturado. E no final ia perdendo
os sentidos de tanto soprar e inspirar... Bom, o meu primeiro trail também foi
mais ou menos assim, vejamos, desde o inicio:
Tinha combinado fazer uma corrida com um amigo de
outras anDanças, que não estando habituado a correr, pratica outros desportos e
se encontra em melhor forma do que eu. Por desencontros de calendário só foi
possivel marcar esta prova. Era uma corrida de 10 kms, que como a organização
descreve "A escolha do percurso garante uma
baixa exigência física o que permite que todos possam participar neste evento."
Cheirava-me a 10 kms a trote numa estrada de terra batida pelos jardins à volta
do Palácio.
Mas tinha que ser na manhã mais fria do ano?
Estavam 8ºC quando chegámos ao palácio de Mafra e rapidamente começámos o
aquecimento. Dispensámos o briefing inicial para continuar a aquecer...
Depois de levantar os dorsais, perdão as pulseiras
e fomos para a partida. Neste campo a organização esteve impecável. Entretanto
começo a reparar na quantidade de corredores à minha volta com ténis de trail, mas
ténis bem gastos, de corredores bem experientes... mas afinal o que será que me
esperava?
(Retrato do artista ainda com um conceito platónico dos Trails)
Partida...o Jardim do Cerco tinha o portão meio
aberto, criando um entupimento imediato de corredores logo na partida. O Tiago
diz-me para marcar o ritmo no início, Subimos pelo jardim, e entramos na tapada, saímos
da estrada de terra batida para trilhos na montanha. Descemos por um vale,
passamos por uma fossa para javalis, corro atrás do Tiago...
Neste cenário florestal vou aprendendo a fintar as
silvas dos joelhos e os ramos da testa, e rapidamente aprendo que temos sempre
que ter atenção onde pomos os pés. As estradas de terra batida facilmente criam
regos com a água das chuvas propicias a entorses. Mas não acaba aqui: os
caminhos/trilhos estão minadas: desvia de bosta de veado à esquerda. Salta por
cima de monte de poia de javali à direita.
Primeiro km
em 5:35, o segundo a 4:51 e o terceiro a 4:33. Tudo ia bem.
Subidas a minha paixão... aquela sensação de que o
peito está prestes a rebentar e a explodir e depois de a acabar sentir a
ressurreição, a absolvição.
Bom primeira subida,
primeiras vitimas...vejo primeiros corredores a começarem a andar e o Tiago a
ir-se embora.
Segunda subida...morro, ressuscito...ultrapasso
alguns corredores... terceira subida muito estreita serpenteando pela serra,
morro, ressuscito...salto um riacho, atravesso uma ponte de madeira por baixo de
uns sobreiro... sigo atrás de uma senhora... Reparo que à cerca de 10 minutos
que olho incessantemente para os calcanhares dela, tal a necessidade de prestar
atenção onde se põe os pés, por esta altura já deixei de ligar às silvas nas
pernas e aos ramos a esbofetear-me a cara.
Segue-se um troço largo em terra batida, onde
recupero a respiração, e de uma longuíssima subida (a 4ª) em lama e pedras onde
não paro de correr mas reparo a meio caminho que estou a correr à mesma
velocidade do pessoal que vai a andar... morro, morro...
Enfim, com grande esforço e sem fôlego chego ao
topo... paro, respiro fundo e vejo um jipe do exército parado no cruzamento a
fazer apoio à corrida... a sorrir pergunto-lhes se me dão boleia - a sorrir me respondem
que "não". Pergunto "Já não existem mais subidas pois não?"
- Mais uma vez sorriem, e apontam para a minha esquerda...
NÃAAAAAAAAAAAAAO!!!
O desespero toma conta de mim. Ergue-se à minha
frente uma subida a 60%-70% de inclinação, que ninguém a faz a correr. Apercebo-me
que nos próximos dias vão me doer tanto os músculos das pernas. Tinha acabado
de subir quase 300 metros em 3 quilómetros.
No topo finalmente recebo um
pequeno prémio... uma bancada com alimentos e bebidas. E é lá que encontro um
colega da caixa o Pedro Luzia, que me apanhou mesmo tendo partido 5 minutos
atrasado. 2 minutos de conversa...sim porque nos trails, pelos vistos, os abastecimentos são
para ser apreciados.
Pergunto à sra da bancada da laranjada se há mais
subidas...sorri-me e responde-me que não. Alivio. Recomeçamos a correr,
recomeçamos a subir… Bolas! Pouco tempo depois começam as descidas. Se em
estrada nas descidas podemos relaxadamente alargar a passada, neste tipo de
terreno temos que estar sempre atentos onde pomos os pés.
Pouco a pouco, os trilhos transformam-se em estradão,
o estradão em macadame e finalmente o macadame em estrada… alargo a passada,
acelero… sinto-me liberto daquela necessidade constante de ver onde estou a
pisar.
Contorno o palácio e entro… uma sensação de
vitória começa-se a apoderar de mim:
Sobrevivi
ao frio, a silvas e ramos,
Sobrevivi a poças de lama e a montes de bosta,
Venci montanhas,
Trepei subidas sem parar de correr, e descidas
perigosas,
Cavalguei por vales e por fim o rei recebe-me no
piso marmóreo do palácio…
Piso o degrau de acesso a um jardim interior, perco
o contacto com o chão… rebolo na relva…
...as raparigas que me acompanhavam na altura
oferecem-se logo para ver se está tudo bem… enfim, sobrevivo a tudo isto e no
final dou um tralho no mármore… o mármore esse piso traiçoeiro... o mármore malandro...
completamente ridículo.
NOTA: Primeira lição sobre tralhos - Cair sempre ao
lado de raparigas.
Segunda lição sobre tralhos – Levantar sempre com ar de dignidade.
Terceira lição sobre tralhos - ... ainda não sei, mas há de haver
certamente.
O fim da prova é uma recepção, com animação de
época, à base de biscoitos, água, sumos e principalmente chá. Nunca me soube
tão bem, no final de uma prova, um chá simples… quente. Organização impecável.
(Era só uma corridita não era? e foram só 9,5 kms)
À noite revejo a prova, sinto como se me tivessem
deixado na tapada e durante 50 minutos, que passaram como se fossem 5, como se
tivesse corrido simplesmente para tentar sobreviver, como se tivesse sido
electrocutado.
(finalmente a chegada das "nossas" caminhantes)
Antes de adormecer, fecho os olhos, e se no inicio só vejo trilhos e buracos à minha frente, depois acalmo e finalmente vêem à mente as imagens das paisagens por onde passei.
Muito fixe! Até o tralho... LOL
ResponderEliminarThx... temos que fazer um.
ResponderEliminarJá está programado o regresso a Sesimbra!
EliminarAhah é mesmo isso tudo. :)
ResponderEliminarO Raide à Tapada de Mafra foi a minha primeira Meia Maratona em trails, recomendo. É "acessível" (para trail...) ;)
Boa recuperação!
:):):) Obrigado, o Raide já está na minha cabeça para o ano. Afinal os 300 metros de subida não são nada comparados com as altimetrias de outros que tenho visto esta semana :p
EliminarExcelente post!!!
ResponderEliminarEm 2014 a maioria do nosso Team vai participar em trails. Como sabes só participei ainda em um e fiquei a gostar :)
Digo já que não penso fazer trails a menos de 6 minutos o km! Os trails são ir "devagar" e apreciar as paisagens :)
Abraço
Obrigadão Joel :)
EliminarExcelente, Zé! :)
ResponderEliminarNo meio do teu sentido de humor, quase que conseguimos pormo-nos nos teus pés e viver tudo o que descreves!
No próximo ano também conto fazer um trail a sério, para saber como é.
Obrigado.... Temos de combinar um grupo para fazer um trail a sério :)
EliminarMuito bem humorado e com conselhos muito válidos. Obrigado pelo momento de boa disposição que me proporcionou.
ResponderEliminarMuito obrigado Luisa. Isto não pode ser só correr que nós não somos profissionais. Há que apreciar a viagem :)
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