Foi uma manhã rezingona e submersa em preguiça que nos
recebeu na Tapada de Mafra. Muita gente, muito animada… demasiada gente demasiadamente
animada para a hora da manhã a que tive de acordar, empacotava-se no hall de
entrada da tapada, o parque de estacionamento.
Estávamos na encosta virada a norte, e a Tapada, com as suas
colinas abertas ao nosso redor, abraçava-nos num vale húmido, resguardado do
sol. O ar que dela se respirava, o seu perfume, acalmava os meus protestos
mudos por aquela matinal alvorada.
Muita gente agasalhada, vestida de fato de treino, de
sapatos de caminhada calçados esperava-nos. Sentia-me constrangido, como que mal vestido, apenas
com os meus calções e a minha t-shirt técnica. Só conseguia descortinar umas 6/7 pessoas que se
encontravam preparadas para correr.
Depois do lento despertar dos ligamentos e dos músculos no
aquecimento, reparamos que o aglomerado de humanos se dirigia em marcha lenta
para uma cerca onde se iniciaria a prova. Qual bacorozinho de leite, resolvi
seguir a manada.
Entramos pela tapada a dentro, mas não via sinal do portal de partida. Por precaução resolvi por o GPS a funcionar, alargar o passo, até que passam por nós dois participantes a correr… Afinal, já tinha começado e nem demos por nada. Começamos a correr.
E depois de nos passear num idílico túnel verde primordial, a
prova lança-nos por uma sucessão de rampas, onde a inclinação aumentava e a
terra batida e nivelada dava lugar ao substrato rochoso gretado, com o âmago
rasgado pelas chuvadas de Inverno. De repente esvaiu-se todo o romantismo.
Primeira poça de lama, primeiro banho rejuvenescedor para a
pele. Tenho o pé direito tão macio. Passadas mais pesadas…
Ultrapassadas as primeiras subidas, seguem-se as descidas.
Se eu já adorava fazer rampas, passei a vibrar com as descidas técnicas. Sabem,
aquelas ingremes em cascalho? Em que, baixando o centro de gravidade como se
tivéssemos a fazer slalom na neve, conseguimos ganhar uma velocidade
vertiginosa. Sim, sim eu sei é perigoso e dá direito a estripar-me todo, mas
até isso acontecer ninguém me tira estas cavalgadas épicas da cabeça.
(não percebo porque é que há gajos que param de correr para tirar fotos)
Ao primeiro abastecimento ainda íamos os três juntos.
Seguimos para outra sucessão de montanhas para ultrapassar. O Pedro sempre a
motivar para não desistir nas subidas.
Entretanto, o Joel, que só ia fazer os 12 kms, ficou para
trás e nós fugíamos por trilhos e veredas, seguidas de veredas e trilhos até
chegar ao 2º abastecimento, onde finalmente voltamos a encontrar pessoas. E
seguimos para a 3ª e última parte da nossa aventura.
Mas estávamos completamente sós. Já não víamos corredores à
frente para ultrapassar nem ninguém que nos perseguisse.
A terra era nossa e nós pertencíamos à terra. Finalmente tínhamos
penetrado no coração da Tapada, lá no topo tudo à nossa volta era verde. Estávamos
num templo à vida construído no momento da criação. Com o chão feito de húmus,
colunatas de troncos que sustiam o capitel, a copa das árvores. O tecto… o
tecto esse era o céu.
Passamos a casa de mel e o centro de recuperação do lobo
ibérico. Saltávamos por cima de bosta de veado, fezes de javali e
desviávamo-nos de dejetos de coelho (não se pode falar em cocó aqui no blogue,
é uma regra).
Seguiu-se a maior descida técnica que alguma vez encontrei,
num longo túnel de plátanos e sobreiros, que serpenteava por ali abaixo. Mais
uma vez dobrei ligeiramente as pernas, baixei o centro de gravidade, e lá fui
eu… naquele momento… eu era uma criança que brincava na rua… eu era uma cabra
que saltava por ali abaixo… eu era um falcão peregrino que punha as asas para
trás e deslizava num voo picado…
Por fim, começamos a correr paralelamente ao muro de cimento
que isola a Tapada. Sabíamos que estávamos a chegar ao fim desta aventura. Acelerámos
para fazer boa figura no final… e reencontramos o Joel e voltamos às pessoas,
voltámos aos carros, voltamos à realidade. Até à próxima…
O poeta Zemi a oferecer-nos mais um belo capitulo das suas histórias :)
ResponderEliminarOnde está uma foto tua? Vai lá ao teu album (das fotos que te enviei) e estás lá tu em plena corrida!
Continua a disfrutar das provas na Natureza :)
Abraço
Obrigado Joel! Um grande Abraço... mas de poeta só de sargeta
EliminarEpá, até me fizeste inveja...
ResponderEliminarE devias ter!!! :)
EliminarAcho que o investimento no curso de escrita rendeu frutos. ;) Muito bem. :)
ResponderEliminar(Só não percebei porque este ano não fizeram versão corrida... Tentei inscrever-me, mas parece que cancelaram os eventos.)
hmmm mais ou menos. veremos o futuro.
EliminarNós corremos, mas eramos para ai uns 12 no máximo a correr.
Mas obrigado pelo elogio :)
Eliminar