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quinta-feira, 29 de maio de 2014

Trilhos do Javali - Tapada de Mafra


 
Foi uma manhã rezingona e submersa em preguiça que nos recebeu na Tapada de Mafra. Muita gente, muito animada… demasiada gente demasiadamente animada para a hora da manhã a que tive de acordar, empacotava-se no hall de entrada da tapada, o parque de estacionamento.

Estávamos na encosta virada a norte, e a Tapada, com as suas colinas abertas ao nosso redor, abraçava-nos num vale húmido, resguardado do sol. O ar que dela se respirava, o seu perfume, acalmava os meus protestos mudos por aquela matinal alvorada.

Muita gente agasalhada, vestida de fato de treino, de sapatos de caminhada calçados esperava-nos. Sentia-me constrangido, como que mal vestido, apenas com os meus calções e a minha t-shirt técnica. Só  conseguia descortinar umas 6/7 pessoas que se encontravam preparadas para correr.

Depois do lento despertar dos ligamentos e dos músculos no aquecimento, reparamos que o aglomerado de humanos se dirigia em marcha lenta para uma cerca onde se iniciaria a prova. Qual bacorozinho de leite, resolvi seguir a manada.
 
Entramos pela tapada a dentro, mas não via sinal do portal de partida. Por precaução resolvi por o GPS a funcionar, alargar o passo, até que passam por nós dois participantes a correr… Afinal, já tinha começado e nem demos por nada. Começamos a correr.

 
E depois de nos passear num idílico túnel verde primordial, a prova lança-nos por uma sucessão de rampas, onde a inclinação aumentava e a terra batida e nivelada dava lugar ao substrato rochoso gretado, com o âmago rasgado pelas chuvadas de Inverno. De repente esvaiu-se todo o romantismo.

 
Primeira poça de lama, primeiro banho rejuvenescedor para a pele. Tenho o pé direito tão macio. Passadas mais pesadas…

 
Ultrapassadas as primeiras subidas, seguem-se as descidas. Se eu já adorava fazer rampas, passei a vibrar com as descidas técnicas. Sabem, aquelas ingremes em cascalho? Em que, baixando o centro de gravidade como se tivéssemos a fazer slalom na neve, conseguimos ganhar uma velocidade vertiginosa. Sim, sim eu sei é perigoso e dá direito a estripar-me todo, mas até isso acontecer ninguém me tira estas cavalgadas épicas da cabeça.
 
(não percebo porque é que há gajos que param de correr para tirar fotos)

Ao primeiro abastecimento ainda íamos os três juntos. Seguimos para outra sucessão de montanhas para ultrapassar. O Pedro sempre a motivar para não desistir nas subidas.

Entretanto, o Joel, que só ia fazer os 12 kms, ficou para trás e nós fugíamos por trilhos e veredas, seguidas de veredas e trilhos até chegar ao 2º abastecimento, onde finalmente voltamos a encontrar pessoas. E seguimos para a 3ª e última parte da nossa aventura.

 
Mas estávamos completamente sós. Já não víamos corredores à frente para ultrapassar nem ninguém que nos perseguisse.

A terra era nossa e nós pertencíamos à terra. Finalmente tínhamos penetrado no coração da Tapada, lá no topo tudo à nossa volta era verde. Estávamos num templo à vida construído no momento da criação. Com o chão feito de húmus, colunatas de troncos que sustiam o capitel, a copa das árvores. O tecto… o tecto esse era o céu.

Passamos a casa de mel e o centro de recuperação do lobo ibérico. Saltávamos por cima de bosta de veado, fezes de javali e desviávamo-nos de dejetos de coelho (não se pode falar em cocó aqui no blogue, é uma regra).

Seguiu-se a maior descida técnica que alguma vez encontrei, num longo túnel de plátanos e sobreiros, que serpenteava por ali abaixo. Mais uma vez dobrei ligeiramente as pernas, baixei o centro de gravidade, e lá fui eu… naquele momento… eu era uma criança que brincava na rua… eu era uma cabra que saltava por ali abaixo… eu era um falcão peregrino que punha as asas para trás e deslizava num voo picado…



Por fim, começamos a correr paralelamente ao muro de cimento que isola a Tapada. Sabíamos que estávamos a chegar ao fim desta aventura. Acelerámos para fazer boa figura no final… e reencontramos o Joel e voltamos às pessoas, voltámos aos carros, voltamos à realidade. Até à próxima…

7 comentários:

  1. O poeta Zemi a oferecer-nos mais um belo capitulo das suas histórias :)
    Onde está uma foto tua? Vai lá ao teu album (das fotos que te enviei) e estás lá tu em plena corrida!
    Continua a disfrutar das provas na Natureza :)
    Abraço

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    1. Obrigado Joel! Um grande Abraço... mas de poeta só de sargeta

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  2. Acho que o investimento no curso de escrita rendeu frutos. ;) Muito bem. :)
    (Só não percebei porque este ano não fizeram versão corrida... Tentei inscrever-me, mas parece que cancelaram os eventos.)

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    1. hmmm mais ou menos. veremos o futuro.

      Nós corremos, mas eramos para ai uns 12 no máximo a correr.

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