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terça-feira, 29 de abril de 2014

Triatlo do Estoril - A experiência olímpica

Duro, muito duro. Assim foi o meu primeiro triatlo de distância olímpica. Foi daquelas experiências que, durante a prova, nos leva a pensar "mas porque raio é que eu me meti nisto", mas depois, quando acabamos, já estamos a pensar no que temos de fazer para correr melhor da próxima vez. De facto este Triatlo do Estoril não me correu bem. Não foi mau, cheguei ao fim, cortei a meta e esse era o principal objectivo. Mas esteve longe de ser perfeito.

Depois de uma primeira experiência em Alpiarça, a logística já era uma questão controlada. O "problema" agora era o dobrar das distâncias, principalmente na água. 1500 metros a nadar no mar foi o que mais me preocupou nos dias que antecederam a prova. Felizmente o Sol brilhou neste domingo e o vento foi para outras paragens pelo que, quando pisei o areal do Tamariz e olhei para o mar suspirei de alívio.

Por essa altura já contava com a companhia do pessoal do Clube de Triatlo dos SS CGD, o Nuno, o Carlos e o Tiago. Malta, vocês são um espectáculo. Do melhor mesmo. Obrigado pelo apoio e pelo incentivo. Já na praia comecei a olhar para o percurso. Seria um triângulo, feito em duas voltas, e as bóias pareciam estar mesmo ali, ao alcance de umas braçadas. Como eu me enganei.



Assim que entrei na água a primeira coisa que senti foi gelo nos pés. Estava gelada... O primeiro mergulho foi de sacrifício, mas tinha de ser. Deixei a multidão ir às respectivas vidinhas e comecei a dar as primeiras braçadas tentando adaptar-me ao frio da água na cara e nas mãos. Os primeiros metros foram muito maus. Apesar de ir cá atrás, ainda havia muita confusão e não consegui nadar como queria. Só à passagem da primeira bóia estabilizei. Foi nessa altura que levantei a cabeça e olhei em frente para ter noção de onde estaria a bóia seguinte. E aquilo que, cá fora, parecia perto, dentro de água era como se fosse do outro lado do mundo. Nadei, nadei, nadei.... nadei mais um bocadinho e continuei a nadar. A primeira bóia chegou finalmente e virei para o lado de Cascais. Novo olhar em frente e apontei à bóia seguinte, também longe como o raio. Quando cruzei a segunda bóia, dois problemas. O primeiro foi passar a nadar virado para o Sol, ou seja, não via nada. O segundo é que fui apanhado pelos primeiros, que já iam a completar a segunda volta. Levei umas fortes patadas e vi-me ultrapassado qual R5 numa corrida de F1. Passada esta pequena tempestade, lá fui para a 3ª bóia para iniciar a segunda volta. Por esta altura já estava com a boca completamente salgada. Não tinha engolido água, mas só o contacto com a boca incomodava. Mas não havia nada a fazer, por isso vá de iniciar a segunda volta. Novamente a primeira bóia pareceu longe como o raio, assim como a segunda e também a terceira, a última que tive de cruzar antes de me dirigir de volta à praia. Pouco depois de passar pela "baliza" obrigatória sinto uma dor forte no gémeo da perna esquerda. Cãibra e das valentes - ainda me dói neste momento. Nem conseguia mexer a perna. Nada a fazer. Desistir não era opção. Não nada esta perna, nada a outra. A praia, que estava ali à vista, parecia nunca mais chegar e às tantas a dor foi desaparecendo. Quando me pus de pé estava quase bom. Mas então houve outra coisa. Tonturas. Quem me viu dar três passos para o lado assim que me pus de pé deve ter pensado "olha... este fica já aqui." Mas não fiquei. Endireitei-me. Olhei em frente e segui caminho pela areia, já tentando despir o fato. Entretanto olhei para trás, para o que tinha acabado de fazer e a água estava calma. Demasiado calma. Fui o antepenúltimo a sair da água, com 44 minutos. Demasiado mau para quem já faz a distância na piscina em menos de 35 minutos.

Transição #1
Depois de uns minutos complicados em Alpiarça para despir o fato, desta vez a coisa correu melhor. Para isso também contribuiu a distância entre a saída da água e a bicicleta, altura em que fui despindo o fato com calma, evitando que ficasse enrolado na cintura. Quando cheguei à bicicleta foi só tirar as pernas. Menos mau.

Ciclismo
Começar a pedalar não foi a coisa mais fácil do mundo. Ainda estava um pouco "tonto" de 44 minutos a nadar e a dor na perna afinal não tinha desaparecido completamente. Os primeiros quilómetros fizeram-se a muito custo, mas aos poucos as pernas começaram a desenvolver e sem dar por isso já estava a fazer o primeiro retorno, em Cascais. Entretanto já tinha passado pelo Nuno que, calculava eu, já devia ir na segunda ou terceira volta. De Cascais para o Estoril lembrei-me - já tinha aprendido isso na Maratona - que a Marginal está longe de ser totalmente plana. E que bom que era que fosse. As poucas subidas que existiam até São Pedro do Estoril custavam bastante e as respectivas descidas quase não davam para descansar. Quase sempre sozinho, sem conseguir integrar qualquer pelotão, fui percorrendo volta após volta.
No final da minha terceira volta passa por mim o Carlos, meu companheiro de equipa, integrado num grupo que, no entanto, fica quase todo no parque de transição. Ele seguiu e eu tentei seguir atrás dele, ainda que uns bons metros. Consegui apanhá-lo já quase no 2º retorno e ainda trocámos algumas palavras. Ele estava a cerca de três quilómetros de largar a bicicleta, enquanto eu teria de dar mais uma volta. Fomos juntos até ao fim dessa minha quarta volta e ele lá ficou no parque de transição, pronto para correr. Essa minha última volta foi uma tristeza. Já quase não havia ciclistas na estrada e no retorno em Cascais percebi que só devia ter no máximo cinco atletas atrás de mim. O público também já tinha desaparecido e até os árbitros de prova tinham recolhido sabe-se lá para onde. Mas o pior não era isso, era antes uma dor que me surgiu na zona abdominal e que me apanhava as costas e os rins. Cerrei os dentes e aguentei até ao final dessa volta e entrei - finalmente - no parque de transição, com 1h22m de ciclismo, dentro do que tinha previsto para este segmento. Agora vinha a tortura.



Transição #2
Sem grandes problemas. Larguei a bicicleta, troquei os ténis e ataquei os últimos 10 quilómetros.

A corrida final
Em Alpiarça o terceiro segmento tinha originado sensações estranhas. Por um lado sentia-me preso e lento, mas por outro estava a correr a um ritmo fantástico. Aqui, no Estoril, não havia dúvidas. Estava mesmo muito lento. Os primeiros passos de corrida foram de um peso imenso, ainda para mais porque era a subir, em direcção ao Casino. O primeiro quilómetro ainda consegui fazer a correr, mas depois tive mesmo de parar. Já não me lembrava da última vez que tinha andado durante uma prova, mas não tinha outra hipótese. As pernas até estavam bem, o cardio também, mas as dores abdominais e de costas não me deixavam fazer força, principalmente nas subidas. Ainda pensei que fosse estômago - tinha ingerido duas saquetas de gel durante o ciclismo -, mas não consigo dizer com certeza o que foi. Ao longo dos 10 quilómetros devo ter parado umas sete ou oito vezes. A descer a coisa até se compunha e conseguia correr a uma ritmo aceitável, mas a subir não dava e tinha mesmo de andar para recuperar as forças. Entretanto passa por mim o Nuno que já estava a acabar a prova - e eu com apenas 5 kms - e o Carlos que ia entrar para a última volta. Fizemos essa última volta juntos e que bem soube a companhia, obrigado companheiro. Enquanto ele seguia para a meta eu seguia para essa última volta de tortura, ainda para mais porque fui apanhado e ultrapassado pelo pessoal que tinha feito a Prova Aberta, de distância super-sprint, que tinha começado às 12h, e que já estavam a acabar. Durante os meus últimos 2500 metros perdi a conta à quantidade de putos que me ultrapassaram. A "vergonha" foi tal que quando me dirigi para a recta da meta um juiz ainda me mandou continuar, como não acreditando que houvesse alguém do triatlo olímpico ainda a competir. Sem glória, mas com muita honra cruzei a meta do Triatlo do Estoril com 3h 14m 36s, na posição 194, entre 196 participantes. No final lá estava o pessoal do clube e o Carlos deu-me aquele forte abraço - lembras-te Pedro?? - que qualquer atleta deve receber depois de completar um grande objectivo. "Fazer um Olímpico não é para qualquer um." disse-me ele animando-me, como que adivinhando o meu estado de desolação por a coisa não ter corrido como eu desejava.



É verdade. Não correu como eu desejava. Não por ter feito 15 minutos a mais do que o previsto - esperava acabar abaixo das 3h -, mas porque gosto de ter prazer nas provas e o único prazer que tive nesta foi o ter chegado ao fim. Sofri na natação, sofri, menos, mas sofri, no ciclismo e sofri muito na corrida. Creio que estava bem preparado fisicamente, talvez tenha sido um conjunto de circunstâncias que ainda não consegui perceber. Não percebo porque demorei 44 minutos a nadar uma distância que já faço facilmente em 35 minutos e também não percebo o que me provocou as dores abdominais que me tiraram uns bons 10 minutos na corrida. Mas aconteceu. Se calhar é suposto ser assim a primeira experiência olímpica de um gajo que se inicia nos triatlos aos 34 anos. Talvez seja isso.

O lado bom é que está feito e a medalha de participação já está no meu mostruário. Já tenho um Triatlo Olímpico no palmarés e, como o Carlos disse, não é qualquer um que se pode gabar disso.

E agora o vídeo de parte do segmento de ciclismo.
Só consegui filmar 3 das 5 voltas - a bateria pifou, creio eu -, mas já dá para ter uma ideia de como foi

13 comentários:

  1. Não foi com uma perna às costas, mas foi com uma perna ao peito... :) Acho que falo por todos JRRs quando digo que estamos orgulhosos de ti! Não é, de facto, para todos acabar um triatlo olímpico, e se acabaste a prova foi pela tua dedicação e esforço (não acredito que citei uma lenga-lenga verde e branca...lol). Parabéns Cromo!!!

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    1. No fundo, no fundo, és verde e branco por dentro!
      lol

      ;)

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    2. !!! Nem que a vaca tussa!! Quer dizer, eu aqui a elogiar o teu desempenho e tu a insultares-me dessa maneira... Tss-tss... Hás-de ter muitos amigos assim, hás-de!!

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  2. Xiça que isso é "custoso"...
    Parabéns pela coragem que tiveste ao enfrentar todas as dificuldades. Está feito e isso já ninguém to tira!

    Parabéns!

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  3. Parabéns Rui...
    Com este relato, acho que vou adiar este projecto por uns bons anos...
    Chegar ao final é a grande meta quando se estreia numa competição destas... Agora é continuar a disfrutar!

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    1. Não faças isso. O Olímpico é duro, não o vou negar. Exige uma preparação física já muito boa, mas isso já tu tens. Quem treina para a Maratona como tu andas a treinar tem essa preparação física. É só pô-la ao serviço das outras actividades.
      Mas tens alternativas mais curtas que podes experimentar. Em Junho há o de Oeiras, de distância Sprint, 750 metros a nadar + 20kms bicicleta + 5 kms corrida. É uma boa hipótese para começares.
      Ab e obrigado

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  4. Rui, mais uma vez parabéns pelo concretizar do teu objectivo! Imagino que para concretizar um triatlo olimpico é necessário muito trabalho e trabalhaste muito para te meteres nessa aventura e para a concretizar! Prova superada!
    Não compreendo como referes-te a: "estado de desolação por a coisa não ter corrido como eu desejava". Dá mas é valor ao que conseguiste fazer! Que não ia ser fácil já sabias. Não foi efetivamente um passeio. Percebe-se que foi muito dificil, agora vê lá a força e a capacidade que descobriste que tens e a que tiveste de encontrar ao teres passado, lidado e ultrapassado aquelas adversidades ao longo da prova.
    Ainda me lembro de estar a ouvir a história da tua primeira corrida de 5kms. Agora já andas a fazer triatlos olimpicos! A classificação é assim tão importante? Não me parece. Vê a evolução!
    Grande campeão!
    Abraço

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    1. Classificação? Não, nunca. A única competição é comigo mesmo. Só referi a posição final como curiosidade de ter ficado à beira dos últimos.
      Tempo? Também não é o mais importante. Sou competitivo, não vou negá-lo, mas sei os meus limites e, embora tenha apontado para um tempo abaixo das 3h, o principal objectivo era acabar.

      Quando falo em desolação é pelo que aconteceu durante a prova. Gosto de me divertir durante a prova, de apreciar cada momento dela, seja uma prova de 10 kms, uma meia-maratona, uma maratona ou um triatlo. E desta vez não foi assim. Durante a corrida, principalmente, sofri muito e só aquela força e capacidade de que falas me levou até ao fim, porque pensei muitas vezes em encostar às boxes.

      Mas não o fiz efectivamente. Só o faria caso nem andar conseguisse. E quando cruzei a meta esta feliz da vida. Estou feliz agora por ter feito um triatlo olímpico, mas durante aqueles últimos 10 kms em que as coisas não correram como eu esperava, um gajo pensa muitas coisas e quase nenhuma envolve felicidade.

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    2. Parece-me útil o teu esclarecimento :) Como teu Amigo fico mais descansado :)
      Diverte-te :)

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  5. Vídeo do segmento de ciclismo já disponível

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  6. Grande feito Rui. Muitos parabéns. Nem imagino o que será fazer essa prova, doeram-me alguns músculos só de ler esta crónica. É preciso muita persistencia, auto disciplina e força de vontade para levar este projecto até ao fim.

    Mais uma vez muitos parabens.

    P.S. A transição para a bicla podia ser mais rápida :D

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  7. Parabéns!
    Como já escrevi antes, na posta de Alpiarça, uma modalidade é complicado, 3 e neste caso a modalidade olímpica é de muito valor!
    E a primeira custa sempre mais ,;)

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