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terça-feira, 8 de outubro de 2013

Maratona de Lisboa. Muito além de um sonho

Participar numa Maratona é um sonho para muitos, um projecto de vida, algo que planeiam durante muito tempo. Para mim não foi nada disso. Vi os meus dois companheiros de aventura falarem no assunto logo em Dezembro, quando a prova foi anunciada, e eu nem pensei duas vezes. Para mim era algo surreal, fazer uma Maratona. Como é que era possível eu, que ainda há três anos pesava 92 quilos, estava à beira da obesidade, detestava correr, pensar sequer em entrar numa Maratona. Nem pensar.

E não pensei, de facto. Foi apenas em Março, depois da Meia-Maratona da Ponte 25 de Abril que a ideia me passou pela cabeça pela primeira vez. Mas não a deixei carburar por muito tempo. Só em Junho voltei à carga, depois de realizar um treino de 30 quilómetros que, afinal de contas, até correu bem. Pouco tempo depois já estava inscrito e abracei de corpo e alma esse objectivo. E foi com esse espírito que parti, às 10h05 do dia 6 de Outubro, para a minha primeira Maratona. Não sabia o que ia acontecer, sequer se ia terminar a prova, mas sabia que ia dar o meu máximo. E foi isso que fiz. Não podia ter dado mais. Corri cada metro da prova e quando cheguei ao fim, com 4h 22m e 25s, estava num misto de emoções enorme. Os óculos escuros esconderam-me os olhos que iam ficando com lágrimas à medida que me aproximava da meta. Conto pelos dedos de uma mão as vezes que chorei de alegria. As últimas vezes foram em Agosto de 2011 e em Agosto de 2008, quando nasceram os meus dois filhos. Em Outubro de 2013 voltou a acontecer.



Pronto... agora que despachei a parte lamechas, vamos lá à parte prática da coisa!


Quem me conhece já sabe que começo a viver estes grandes eventos desportivos muito antes de eles de facto começarem. Na semana antes já ninguém me podiaa ouvir falar de outra coisa. O que vou comer, o que vou vestir, a que horas vamos, onde nos encontramos, etc, etc. Depois de várias hipóteses estudadas, decidimos, eu o Pedro T. e o Ricardo, deixar os carros junto à meta, no Parque das Nações, e ir de Carris, até ao Cais do Sodré, e depois de comboio até Cascais. Chegámos ao ponto de partida com tempo de sobra, mas depois foi uma correria até às 10h. Uns tinham de trocar de roupa, ir ao WC, tirar as fotos da praxe, etc e tal, e em menos de nada já estávamos em cima da hora. Lá nos alinhámos no meio do pelotão, preparámos relógios, telemóveis e tudo o resto e lá fomos nós para uma grande aventura.

Os primeiros quilómetros nunca são fáceis. O corpo está entusiasmado, cheio de adrenalina e as pernas querem começar a correr por ali fora. A mente manda ter calma e seguir o plano de correr a rondar os 6 min/km. Assim fizemos nos primeiros três quilómetros e depois sim lá acelerámos um pouco até aos 5.45min/km, ritmo em que estabilizámos até chegarmos aos 21 kms. Por essa altura já só estava com o Pedro T. e o Filipe, com quem já tinha corrido na Meia-Maratona da Ponte Vasco da Gama, há um ano. Por esta altura, à passagem por Belém, comecei a ser um pouco afectado pelo calor. Tinha vindo a cumprir rigorosamente os abastecimentos, tanto sólidos, como líquidos, mas a água já cada vez me durava menos. Recolhia uma garrafa e já não conseguia chegar com ela até ao abastecimento seguinte. Comecei então a recolher duas, mas uma delas era quase inteiramente despejada pelo corpo, para arrefecimento. A outra era para beber, uma táctica que mantive até ao final e que resultou bem.

Altura de maior sofrimento
A energia estava boa, a barriga também, as pernas também e só os pés começavam a doer. À saída do Terreiro do Paço, com 33 quilómetros de prova, comecei a sofrer. Senti claramente a formação de uma bolha no dedo do pé e devo ter gemido de dor porque o Pedro perguntou de imediato o que se passava. Com muitos quilómetros pela frente, pensei que estava tramado. Abrandei o ritmo e vi os meus companheiros de prova afastarem-se. O pé doía muito e eu lá tentava encontrar uma forma de correr sem apoiar aquele dedo no chão. Impossível, claro... A outra opção era enfrentar a dor. Assim o fiz. Retomei a minha passada normal e corpo aceitou a dor, habituou-se a ela e depressa me juntei novamente ao Pedro e ao Filipe. E passei-os. Não sei se aquela adrenalina da dor me tinha feito aumentar o ritmo ou se foram eles que abrandaram, o que é certo é que o Filipe acabou mesmo por ficar para trás e só continuei com o Pedro. 

Estávamos ainda longe da meta e as pernas começavam, também elas, a dar de si. Cheguei mesmo a pensar que teria de parar, mas lembrei-me do que o Tigas tinha escrito antes da prova. "Se as pernas disserem que estão cansadas, corram com o coração". Foi isso que fiz. Ia continuar a correr, mesmo que tivesse de abrandar o ritmo. Aos poucos comecei a perder terreno para o Pedro, 10 metros, depois 20, 30... talvez 50 metros. A minha cabeça começava a habituar-se à ideia de ter fazer os últimos quilómetros sozinho, com aquele desgaste de ver o parceiro de prova a afastar-se. Mas eis que, de repente, um revés.

Ao km 36, depois do abastecimento de fruta, o Pedro parou. Ao passar por ele pedi-lhe para continuar, não só por ele, mas também por mim. Vê-lo a parar de correr podia muito bem ser o estímulo que precisava para também eu parar, até porque já muitos o faziam por aquela altura. Mas, ao mesmo tempo, sabia que, se parasse, não conseguiria voltar a correr. Não tinha dúvidas sobre isso. Continuei, por isso, sem olhar para trás para ver se ele tinha retomado o passo de corrida. Pouco depois chegaria à rotunda da Praça 25 de Abril e ao fundo vi a Torre Vasco da Gama. O Parque das Nações estava ali mesmo, à mão de semear. 

Já muito poucos corriam por ali e eu ia ultrapassando atletas e ganhava forças. Faltavam três quilómetros e já não ia parar. Faltava apenas um obstáculo, a subida na Avenida do Ulisses junto à loja da Pro Runner. Assim que cheguei lá acima senti-me um herói. Não só ia terminar a prova, como a ia fazer inteiramente a correr. Estava já eufórico, de tal forma que aumentei o ritmo, passando a correr novamente a 5.50 min/km, quando vinha fazendo os últimos 10 quilómetros a 6.30 min/km. Passei por alguns amigos, que me deram força, e havia cada vez mais gente na rua a aplaudir. Senti-me um herói - já disse isto, não disse?. Quando entrei na recta final houve uma lágrima a querer fugir e quando cortei a meta senti-me um verdadeiro campeão. Aquela medalha não era de Finisher, era de World Champion!

Assim que parei, percebi que tinha feito bem em não parar de correr alguns quilómetros antes. O corpo vencia finalmente a mente e as dores vieram todas ao de cima. Quase nem conseguia andar, quanto mais voltar a correr. O caminho para o ponto de encontro foi penoso. A água fresca dos famosos vulcões da Expo foram um luxo para os meus pés descalços. A reunião com o resto do grupo foi-se fazendo aos poucos, todos alegres e bem, que era o mais importante. Estamos todos de parabéns. A experiência não teria sido a mesma sem todos eles, pessoal da Maratona, mas também da Meia. E que daqui a um ano, a 5 de Outubro de 2014, cá estejamos todos para a 2ª edição desta prova.



Para terminar, a imagem histórica do trio JRR a momentos do tiro de partida na Maratona de Lisboa

5 comentários:

  1. Óptima partilha de emoções. Sonho cumprido! Muitos Parabéns!!!

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  2. Como já te disse... Lagartixas... Muito bom texto. Parabéns!!!

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  3. Excelente texto Rui e muitos parabéns (mais uma vez) extensivo aos restantes atletas do grupo.
    E obrigado pela referência à frase que tinha escrito antes da prova. Faz-me sentir que também ajudei na concretização do sonho. Corri a 1/2 a pensar em vocês e em mais alguns amigos que à mesma hora vinham a correr desde Cascais. E foram isso que também me ajudou a fazer a minha prova.
    Forte abraço.

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  4. O atleta e o ser humano Rui em grande forma!!!
    Mais uma vez Parabéns pela prova realizada e sobretudo pela tua evolução fantástica :)
    Um grande abraço

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