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segunda-feira, 6 de maio de 2013

Corrida do Hospital Dona Estefânia – Diálogo entre duas metades de um ser imperfeito, by José M.



Prólogo

Para entenderem este texto tenho que fazer uma introdução ao meu petit nom. Nasci José Emílio, típico português, o primeiro nome de herança hebraico-cristã e o segundo de tradição romana (momento Canal História). No dia do meu nascimento o meu avô paterno “batizou-me” logo de Zémi, street name que usei até ao final do ciclo, 11 anos. Portanto, e pese embora hoje em dia ninguém me chame assim, Zémi sou eu!

Diálogo

Zé: Pela primeira vez antes de uma prova dormi bem, já tinha organizado de véspera toda a roupa e parafernália de corrida (inclui óculos, alfinetes de dama para o dorsal, cinta e relógio cardio, e cinto para a documentação).

Mi: Pois, pois, muito organizadinho, mas esqueceste-te de ter cuidado com a alimentação no dia anterior e aquela pizza com pimentos e salame picante resultou em danos colaterais.

Zé: Mi, não sejas inconveniente!
Bom, era a minha primeira prova com o Ricardo, foi ele que, aqui à um ano, me andou a picar para correr quando me encontrava a recuperar de um estiramento do ligamento interior do pé direito. Foi ele que me apresentou aos restantes mestres deste desporto. Foi ele que andou a puxar pelo meu ritmo antes da Corrida do Benfica. Enfim, foi ele que me iniciou nestas andanças.

Tinha-lhe dito que precisava de uma lebre, porque ainda não tenho a noção dos ritmos a que estou a correr, e o meu relógio só tem a função cardio e pouco mais. Planeei seguir ao ritmo dele enquanto me fosse possível e quando eu estivesse cansado deixava-me ficar para trás.

O meu objetivo para esta prova era ficar abaixo da hora, que tinha feito na Corrida do Glorioso, que já considero muito bom para um tipo que à um ano atrás não corria mais do que 10 minutos seguidos…

Mi: Ai, lá vem ele com esta ladainha do coitadinho que não corria mais do que 10 minutos. Até quando Deuses? Já fizeste várias provas, já não te podes queixar. Não, o teu objetivo era entre os 56 e os 58 minutos porque era esse o ritmo que andavas a fazer nos treinos.

Zé: Pronto está bem. Tinha combinado com ele às 9:15 junto da tenda dos dorsais, consegui estacionar relativamente perto e lá nos encontramos, ele trouxe o cunhado para correr com ele, eramos três a fazer a prova.

Fomos ter com colegas da secção de Atletismo da CGD, eficientíssimos, que já tinham tudo organizado. Levantámos os dorsais, e descobrimos que dava direito a uma t-shirt técnica.

Mi: Mas como não sabias o que fazer com a tshirt – que tem um desenho do João Baião - voltaste para o carro depositar a mesma. Da próxima vez, e já que te fica apertada, a ver se pedes uma tamanho S para oferecer à tua mulher.

Ainda aproveitaste para beber a bebida isotónica e comer a bela da banana antes da prova. Doping digo eu, assim é fácil andares a bater records.

Zé: Mi, pára de falar de mim na 3ª pessoa, tu também és eu, ela também é tua mulher e também tem que te aturar. Se eu te deixasse vir ao de cima, nós não tínhamos amigos.
Bom, como o Ricardo ainda não tinha retornado, aproveitei para ir ao WC …

Mi: …pela terceira vez no dia diga-se de passagem, e ainda não eram 10 da manhã! E tiveste que te desenrascar rasgando os tubos de cartão do papel que já estava esgotado.

Zé: (pausa para suspiro) Juntámo-nos e fizemos uma pequena corrida de aquecimento até às docas e paramos junto ao portal de início. À nossa frente encontrava-se uma família de 6 elementos, todos com as suas camisinhas em algodão branco da prova.

Dá-se então a partida, a família inteira anda alguns momentos até perceber que a partida da “marcha” não é ali, e então faz o impensável, de repente volta-se para trás e marcha contra nós. Durante uns segundos, queríamos correr mas parecia que estávamos a empurrar uma muralha branca de “passeantes”.

O início da prova não apresentou grandes problemas, estava calor mas sentia-me bem, a pista era plana, enfim fluía-se ao longo da Avenida da Índia.

Ao 2º Km aproveito para olhar para o relógio e, ao ver que estamos a fazer uma boa média, exclamo: “Eh lá”, ao que o Ricardo responde em tom patriarcal: Cala-te, tira os olhos do relógio e concentra-te na respiração!”

Assim corremos, sem grande história, até ao Km 5º onde existia o único abastecimento de água, e aplicando as técnicas apreendidas nos workshops do Rui T. consegui finalmente beber água sem perder o controlo da respiração, porém apercebo-me que o Ricardo e o cunhado ficam um pouco para trás.

Mi: Não contaste que foi aqui que viste o primeiro colega da Caixa, provavelmente já reformado à vários anos a correr em grande ritmo já em sentido contrário, e pensaste “quem me dera ter aquela capacidade física quando tiver aquela idade.”

Zé: Bem verdade!

Faço um ou dois quilómetros à ligeiramente à frente do Ricardo e do cunhado, sempre a passar por outros corredores até que me deixo apanhar por eles os dois.

Enfim, o Ricardo manda-me seguir o cunhado, que entretanto já tinha passado por mim, porque ele tem de ir àquele ritmo. Tem a ver certamente com os problemas que o têm impedido de treinar com regularidade e consequentemente torna-se difícil para ele de assumir compromissos entrar em provas e fazer tempos. Bem o compreendo, por isso não implico com ele.

Mi: Sim, mas também não lhe confessas que, bem que tens inveja dos problemas dele e que, uma das razões porque corres é para deixares de pensar na “morte da bezerra”.

Zé: Cala-te, isso é uma coisa minha e não é para aqui chamado.

Estamos então no Km 8º e deixo o Ricardo para trás, que foi algo que me custou porque estou habituado a ser eu a ficar para trás. Alargo um pouco a passada e tento apanhar o cunhado dele. Mais à frente estão a distribuir chocolates Baci que resolvo aceitar por pensar que me poderia fazer falta o açúcar na parte final.

Erro crasso, naquela fase da corrida, a boca não tem saliva nenhuma, e o chocolate esfarela-se num bolo que, não só não passa pela garganta, como ainda impossibilita o respirar pela boca.

No último quilómetro decido atacar e disparo num primeiro sprint que se desfaz no momento em que vejo o Paulo Bailão a passar por mim sem esforço. Decido poupar-me para a recta final.

Mi: Chegado à recta final, vês ao longe um senhor simpático de bigode a ver a corrida e decides fazer o último sprint. Afinal de contas, era o sogrinho e a tua mulher devia andar por ali, e portanto resolveste exibir-te.

Zé: Tempo final, 55 minutos e 14 segundos. Tirei 5 minutos ao meu tempo anterior. Fiquei atrás do cunhado do Ricardo (54 mins) e à frente dele (56 mins). Excelente tempo para os meus objectivos iniciais.

Ainda tive tempo de ouvir a Saia da Carolina e a Carvalhesa de Vinhais tocados pela Banda de Gaitas da Casa Pia (presumo eu).

Por fim, já conduzido e chegado a casa, entrei para o duche, senti a água quente a percorrer-me o corpo, a tirar-me a poeira de cima e a relaxar-me todos os músculos…

Mi: E de repente Zé, descobriste porque é que todos os bebés choram desalmados quando estão assados…

Texto escrito por José M., um amigo do Team JRR
 
 

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